CARLOS COLLA
entrevista concedida a Carlos Eduardo F.Bittencourt para o
Grupo Um Milhão de Amigos

31.08.1992




Desde o começo da Era Cristã que o fim-de-ano nos lembra o Natal.
Mas há cerca de 30 anos que os finais de ano também se tornaram sinônimo de discos de Roberto Carlos.
E, assim, como Roberto Carlos se tornou uma tradição natalina,
o compositor Carlos Colla se tornou uma tradição nos discos do cantor.
São 24 músicas, primeiro compostas com o parceiro Maurício Duboc,
depois com Mauro Motta, Marcos Valle, Gilson, Lincoln Olivetti e Robson Jorge
e até o próprio Roberto Carlos,
com quem fez as versões de duas músicas: “Se o amor se vai” e “Se você quer”.

* Como começou sua carreira de compositor, já que você era advogado?
"CC" – O compositor começou quando eu ainda era estudante de Direito e quem gravou minha primeira música, “A namorada”, foi Roberto Carlos, em 1971. Na época eu estava passando por uma fase financeira difícil e tocava guitarra na banda de baile do Canecão, antes do show do Roberto. Na ocasião, eu e Maurício fomos pedir a ele uma música para gravar, só que o Roberto pediu uma para a gente. Eu não era compositor, mas quando o Roberto pediu, nos viramos e entregamos duas canções: “A namorada” e “Negra”, que ele gravaria no ano seguinte.

* Você esperava que ele fosse gravá-las?
"CC" – Nunca! Foi a maior surpresa quando recebi um telefonema da CBS para que eu fosse pegar um cheque que eu nem sabia por quê. Quando eu recebi o cheque, com o número 15 e uma infinidade de zeros, nem sabia o que era. Só depois soube que o Roberto tinha gravado “A namorada”. Paguei minhas dívidas, comprei um carro e sobrou dinheiro que não acabava mais. Você não sabe como fiquei feliz ao saber que meu ídolo iria gravar uma música minha.

* Por que acabou a parceria com o Maurício Duboc, com quem fez 16 músicas para o Roberto Carlos?
"CC" – O Maurício, além da música, tem outros interesses que lhe fazem bem. Ele é uma pessoa muito mística e começou a se interessar mais em procurar sua verdade, em encontrar Deus, harmonizar-se com o cosmos. Nessa época, o Maurício se afastou um pouco do compositor Carlos Colla, não da pessoa. A constância de fazer música se perdeu, mas somos grandes amigos.

* Como é fazer música para Roberto Carlos?
"CC" – É a grande glória para mim, a grande honra. É como se todo ano eu fizesse um festival de músicas minhas e a grande campeã fosse aquela gravada por ele. Eu trabalho o ano inteiro pensando no Roberto. Todas as músicas que faço são para ele e, quando Roberto termina um disco, eu já começo a preparar a do próximo ano.

* O que você mais admira no Roberto?
"CC" – Ensinar as pessoas a se amarem, de uma forma bonita, generosa, superior. Você vê que ele desmistifica o amor de uma forma linda e pura, tirando a sujeira do erotismo. O Roberto fala de sexo de uma maneira tão linda que tira todo o lado feio da sexualidade. Também admiro quando ele fala de Deus. Parece que tem um conhecimento de causa de quem vive perto d’Ele. Roberto Carlos fala de Deus muito melhor do que qualquer outra pessoa. Eu acredito que ele seja um homem iluminado, escolhido por Deus. Você nota que, em cada música que o Roberto canta, existe uma preocupação de demonstrar um fato, geralmente triste, e no refrão ele mostra a solução do problema. A única coisa que pode salvar o mundo é o amor e Roberto Carlos sabe isso mais do que ninguém. Não só o amor do homem e mulher, mas o amor pelo próximo.

* Me fala da parceria com Roberto Carlos em “Se o amor se vai” e “Se você quer”.
"CC" – Por enquanto, só foram duas versões, mas como sou intuitivo, deve vir alguma coisa a mais. Eu vejo as parcerias com o Roberto como saudáveis. Ele tem uma preocupação em não dizer nada de negativo em suas músicas. Para trabalhar com uma pessoa temos que conhecer sua cabeça. E a preocupação do Roberto é melhorar, purificar, pegar o sentimento do ser humano e só tirar a parte boa. Uma coisa é certa, o que foge da doutrina de Cristo você não ouvirá nas canções de Roberto Carlos. Nas duas versões que fizemos, nós sempre trabalhamos juntos. Mas eu prefiro compor a fazer versões. As versões são em cima dos sentimentos dos outros e eu trabalho em cima dos meus próprios sentimentos.

* Você prefere compor em cima de uma dor-de-cotovelo ou do amor que dá certo?
"CC" – Gosto de compor quando estou amando, já que adoro falar do amor que dá certo. Eu estou apaixonado pela paixão, amante do amor. (Observação: neste momento, Carlos Colla pega um lápis e papel e escreve esta frase) “Isso vai dar música. Quem sabe se é para o Roberto?”

* Como você consegue compor uma música por dia?
"CC" – Dom é uma coisa que Deus dá e não consigo explicar como faço tantas músicas. Isso não me preocupa, se bem que quero fazer muitas músicas, todo dia, a toda hora, porque é um dom que Deus me deu. Na hora em que a gente está compondo nossa cabeça não consegue pensar em coisas más, mesquinhas.

* Quantas músicas você manda para o Roberto gravar por ano?
"CC" – Mando várias. Só este ano eu já mandei mais de 15 e espero mandar ainda mais. Como eu falei, todas as músicas que faço são para o Roberto. As que ele não grava, repasso para os outros. Este ano mandei uma que acho que será um sucesso tão grande como foi “Falando sério”. Só que eu não quero adiantar mais coisas, para manter suspense.

* Já houve alguma música que você tenha pensado que o Roberto gravaria, que ele não gravou a acabou sendo sucesso com outro cantor?
"CC" – Várias. Uma foi “Teu caso sou eu”, gravada pela Joanna, e a outra eu nem cheguei a mandar, porque pensei que ele não gravaria. É a música “Deus te proteja de mim”, que foi gravada pelo Wando. Agora não. Tudo que faço, mando para ele, senão eu me arrependo.

* Como foi a sensação de ouvir, pela primeira vez, a música “A namorada”?
"CC" – Foi incrível. Eu estava entrando num cinema, em Copacabana, e a bilheteira estava assobiando a música... me deu vontade de chorar e nem consegui ver o filme.

* E “Falando sério”, seu grande sucesso, como você compôs?
"CC" – “Falando sério” é uma carta que escrevi para uma moça que estava querendo me namorar. Na época, eu estava machucado por um amor recente e escrevi a carta para ela com a letra da música. Só que a guardei e nem cheguei a enviá-la. O Maurício viu a letra, ficou maravilhado e colocou a música. Nunca pensei que fosse ser esse sucesso todo.

* De todas as músicas que Roberto gravou, exceto as suas, qual aquela que você gostaria de ter feito?
"CC" – Muitas, mas “Detalhes” é “Detalhes”.

* Como você, compositor do Roberto Carlos, sempre presente em seus discos, vê as críticas negativas ao trabalho dele?
"CC" – Existe bons críticos, que dizem o que o povo quer ouvir. Mas há críticos que vêem a vida com olhos tristes, o mundo com tristeza e amargura, e esses nunca vão entender o Roberto Carlos. Brega é quem tem a pretensão de ser feliz.

* O Roberto dá muitos retoques nas suas músicas?
"CC" – Só para melhor. Na fase final da minha parceria com o Maurício, eu mandei para Roberto músicas que não tinham as mínimas condições de serem gravadas, de tão horríveis que eram. Ele mexeu na letra e a música ficou linda. O Roberto Carlos tem o dom da beleza, transforma em ouro tudo que toca.

* Você tem muito contato com o Roberto Carlos no dia-a-dia?
"CC" – Quando há tempo a gente se fala muito por telefone. Primeiro vem a piada, já que o Roberto adora rir. Depois das brincadeiras vem a família. Aí a gente fala sobre o coração e do que menos falamos é de música. Mas ele sempre me pergunta se já tenho alguma pronta.

* Qual a sensação do compositor depois que termina uma canção?
"CC" – É um alívio profundo, como se tirasse um peso de duas toneladas da minha cabeça. Na época do Maurício, fazíamos cinco músicas numa noite.

* Quais são os seus futuros planos com Roberto Carlos?
"CC" – Primeiro fazer uma música com ele, que não seja versão. O outro plano foi ele quem me prometeu e que será um grande presente: um disco “Roberto Carlos interpreta Carlos Colla”. Se ele prometeu, eu sei que vai cumprir.

* O que você gostaria de falar sobre o Roberto?
"CC" – Que gostaria muito de ser sócio honorário do Grupo Um Milhão de Amigos. E que nós estamos vivendo uma época muito conturbada no Brasil e que é nessa época que temos que pensar muito no amor. As pessoas que têm ideais elevados têm que se pronunciar, estar firmes e Roberto Carlos faz isso melhor do que ninguém. Peço a Deus que ilumine a todos nós, em especial ao Roberto, para que ele continue espalhando tanto amor, tanto carinho, tanta beleza à volta dele. Isso é a mais linda missão que um ser humano pode ter na Terra.

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