CLÉCIO
entrevista concedida a Carlos Eduardo F.Bittencourt para o
Grupo Um Milhão de Amigos

21.02.1995




Aos poucos vamos ouvindo opiniões e depoimentos
daqueles que têm o privilégio de dividir o palco com o Rei.
Já entrevistamos o maestro Eduardo Lages e alguns integrantes da banda.
Chegou a vez de Clécio Fortuna, responsável
pelo lindo solo de sax na música “Olha”, no show “Luz”.
Ele nos conta um pouco de sua carreira e fala sobre o nosso ídolo,
tudo com muita admiração e carinho por Roberto Carlos.

* Com começou seu interesse pela música e quando você passou a tocar no conjunto de Roberto Carlos?
"C" – Eu comecei a tocar com mais ou menos 12 anos, influenciado pelo meu pai, que era músico no interior de São Paulo. Ele começou a me dar as primeiras dicas e passei a tocar na bandinha da cidade. Primeiro toquei clarinete e depois passei para o saxofone. A partir daí me aperfeiçoei e aprendi teoria musical. Em seguida passei a tocar na orquestra da minha cidade, Resolvi sair do Brasil e viajei com um grupo, ficando fora por vários anos. Quando voltei, falei com o Maguinho, que era do conjunto do Roberto, que se surgisse uma vaga me convidasse. Logo depois o Raul saiu e entrou um outro rapaz, que não ficou muito tempo. Então fui chamado pelo Maguinho. Isso foi em 68.

* Você está há muito tempo no RC-9. É um dos mais antigos do grupo?
"C" – É, sou um dos mais antigos, porque tem o Dedé e o Wanderley, que estão há mais tempo ainda. O Dedé já é “prata da casa”, começou quando o Roberto Carlos não era famoso, ainda estava batalhando na carreira. Tem também o Ismail, que só entrou no grupo no show de 78, no Canecão, mas que também já conhecia o Roberto e andava muito com a gente.

* Em 1968 você acreditava que Roberto Carlos seria o maior cantor do Brasil?
"C" – Eu o conheci já muito famoso. Ele já tinha feito o programa “Jovem Guarda” na TV Record, que teve uma repercussão tremenda, mas eu nunca havia parado para pensar até onde ele iria chegar. Quando entrei para a banda ele era tão famoso quanto é hoje, só que a época era outra. Era uma badalação tremenda, rasgavam a roupa dele, que tinha que andar correndo para fugir das fãs. Eu acho que o sucesso, daquela época para cá, só aumentou.

* Mesmo não sendo músico de Roberto Carlos você chegou a participar de programas da Jovem Guarda?
"C" – Antes de trabalhar com ele eu participei, na Record, de um programa de música jovem com o Eduardo Araújo, e dentro desse programa tinha a orquestra jovem do maestro Peruzzi. Eu participei dessa orquestra e de um programa que era muito bem feito, sempre aos sábados. Ele era uma espécie de concorrente do Jovem Guarda.

* O Roberto é um super-profissional. Nos anos 60 ele já levava a carreira com tanta seriedade?
"C" – Eu acho que a pessoa já nasce com certas qualidades, mas agora, mais amadurecido, o Roberto sabe melhor o que quer, tem mais convicção quanto à sua carreira, e isso funciona, realmente. Não quero dizer que naquele tempo ele não soubesse o que queria, só que hoje ele está mais maduro e experiente.

* Podemos dizer que antigamente ele ouvia mais as pessoas do que ouve hoje?
"C" – Bom, no convívio com o grupo eu acredito que ele ouvia mais nossas opiniões. Depois o tempo foi passando e já não há muito o que falar, ele já toma decisões sem escutar os outros. Não quero dizer que isso seja um defeito, acho uma virtude, porque ele determina como serão as coisas e quase sempre dá tudo certo. Às vezes damos sugestões para melhorar e acrescentar alguma coisa.

* Eu sempre gosto de ouvir os músicos sobre a participação de vocês nos shows no Exterior. O Roberto fica mais brincalhão lá fora do que aqui?
"C" – Isso é gozado, porque tudo acontece naturalmente. Ele sempre deu cobertura para criarmos algumas coisas nos shows, para fazermos um solo ou alguma brincadeira. Antigamente eu fazia um solo quando ele apresentava os músicos. Mas depois ele passou a ter uma direção musical e a banda também aumentou o número de componentes. Na época em que era apenas o RC-7 ou o RC-9 no palco tínhamos mais liberdade. Depois, com os maestros, tudo já vem totalmente pronto. Isso limita um pouco o nosso trabalho, mas essa mudança foi boa porque trouxe uma nova fase para a carreira do Roberto.

* Como é o seu contato dia-a-dia com Roberto, fora dos palcos?
"C" – Antigamente era maior porque ele viajava com a gente, no mesmo avião ou no mesmo ônibus. E também frequentávamos o mesmo camarim. Com o passar do tempo e o impulso que sua carreira tomou, Roberto acabou também como um homem de negócios, com horários rígidos, e passou a se dedicar a outras coisas. Com a criação da orquestra tudo ficou um pouco mais difícil pois já chegamos a viajar com mais de 40 músicos. É claro que o fato de ele hoje ir de avião particular, de não viajar mais junto com a gente, nos distanciamos um pouco. A exceção foi o Projeto Emoções, quando viajamos em avião fretado da Vasp. Foi muito legal aquela excursão, uma grande curtição.

* As fãs da Jovem Guarda davam mais trabalho do que as de hoje?
"C" – Realmente era um delírio maior do que agora, apesar de em certas cidades do Sul e do Nordeste ainda existir um clima de Jovem Guarda. Claro que não é tanto quanto antes. Naquele tempo a garotada avançava, não só no Roberto. Nós que ficávamos atrás também sofríamos com os fãs. Mas os tempos mudaram e não somos mais os meninos de 20 e poucos anos atrás. Acho que, em termos de calor humano, só mudou a maneira de o público se manifestar, mas o carinho e a quantidade de público são como antes. Às vezes, nos shows, ele mesmo comenta que a plateia está fria. Eu acho que é um público mais adulto, mais comportado. Nesse show “Luz” fizemos apresentações em cidades onde o público formava um coro de 5 a 10 mil vozes cantando do início ao fim, mas no Metropolitan Roberto estranhou um pouco a frieza da plateia. É certo que é um lugar mais sofisticado, mais chique, onde o pessoal se comporta mais. O Roberto até brincou dizendo: “Apesar de poucas pessoas cantando, o coro está afinado”.

* Nos anos 60, quando Roberto gravava aqui, você participava dos discos?
"C" – No início, participei. Até nos anos 70, enquanto ele gravava no Brasil. Depois ele passou a gravar nos Estados Unidos e, economicamente, ficaria inviável a nossa viagem. Mas alguma coisa ainda é feita no Brasil e um ou outro músico da banda participa. Comigo fica um pouco mais difícil pois as gravações são no Rio e eu moro em São Paulo. Geralmente nessa época ele nos dá uma certa liberdade para que façamos trabalhos e gravações com outros aristas e até mesmo para que possamos descansar. Ele é muito liberal nesse ponto: se não há show, podemos fazer trabalhos extras.

* O Ronaldo Bôscoli gostaria de ter visto Roberto gravar os discos com a sua banda. O que você acha dessa ideia?
"C" – Seria bom demais. Mas Roberto grava as músicas de uma forma diferente da que apresenta nos shows. Se trabalhasse alguma música com a gente nos estúdios, poderíamos acrescentar mais aos espetáculos. Parece que o Roberto já teve essa vontade mas as coisas, com ele, são desenvolvidas pouco-a-pouco, e eu até acho isso uma virtude. Mas a gente não pode esquecer que em 88, Roberto gravou um disco ao vivo que ficou muito bom. Pena que a gravadora não lançou outros discos assim.

* Você tem alguma preferência ao ouvir os discos do Roberto Carlos?
"C" – Eu gosto de mesclar um pouco de cada época mas tenho preferência por aqueles de que participei. No de 69 toquei na música “As curvas da estrada de Santos”, e em 68 em “Ciúme de você”. Mas ouvir um pouco de cada disco é sempre bom.

* Gostaria que você falasse um pouco sobre as aberturas dos shows.
"C" – O Eduardo é muito competente para criar coisas simples e bonitas. Geralmente o Roberto dá uma dica do que quer e o Eduardo usa sua competência para fazer tudo muito bem feito. Ele é mestre nessas coisas e quase sempre compõe a abertura de primeira, e o Roberto acaba gostando.

* Foi difícil encarar o Canecão pela primeira vez, em 1970?
"C" – Foi difícil. Ele tinha uma grande preocupação quanto a cantar com orquestra. O Roberto já tinha feito uma experiência em São Paulo, com o maestro Chiquinho de Moraes, mas nunca havia feito uma temporada. O show foi uma maravilha e nos ensaios até nós sentimos medo de que o show não fosse ser bem aceito. Mas no fim tudo deu certo. O Roberto é tremendo! Ele se superou. Quando subiu no palco parece que foi fluindo de uma tal maneira que ninguém podia imaginar.

* Como você vê a simplicidade de Roberto Carlos, apesar de ele ser o maior fenômeno da música brasileira?
"C" – O Roberto é uma pessoa muito simples e até tímido demais. E faz coisas que até nos surpreendem. No tratamento do dia-a-dia é uma beleza. Ele conhece a vida muito bem, tem uma psicologia nata, parece que conhece cada pessoa que o cerca e compreende todas.

* E sobre as críticas ao show “Luz” no Rio?
"C" – A crítica tem sido muito severa com ele. Na temporada do show “Luz”, no Metropolitan, o Globo e o Jornal do Brasil arrasaram com tudo. Não estou de acordo com o que escreveram. Eu acho que todo crítico vai para ver somente as coisas erradas. Roberto Carlos é um tremendo profissional, briga para fazer o certo. Sei, na prática, que é muito perfeccionista. Não sei por que eles o arrasam desse jeito. O Roberto sabe do seu valor e isso não o atinge mais ninguém gosta de ver seu trabalho criticado. A sorte é a sua espiritualidade e, também, a sua confiança no que está fazendo.

* De todos os shows há alguma temporada que te marcou?
"C" – Gosto particularmente de duas: a do show de 78, quando ele colocou a máscara e palhaço, e a do “Detalhes”. Mas a gente não vê o show como um todo. O que marca é quando arriscamos alguns solos e o Roberto nos olha de maneira carinhosa. Também acho bonito quando ele se emociona no palco e às vezes até chora. Isso nos toca muito porque é espontâneo, vem do coração.

* Quais as qualidades do Roberto como cantor?
"C" – Ele tem uma voz pequena mas de bom volume e um timbre muito bonito, bem peculiar dele. É muito afinado o que é incontestável.

* Que virtude você destacaria em Roberto Carlos?
"C" – Uma delas é a humildade. E o saber perdoar. Na música erudita tivemos Mozart, Tchaikowski, Beethoven, Chopin. O Roberto Carlos é tudo isso na versão popular. Fazendo músicas para o povo, ele é um gênio tanto quanto qualquer um desses mestres.

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