EDUARDO LAGES
entrevista concedida a Carlos Eduardo F.Bittencourt para o
Grupo Um Milhão de Amigos

20.05.1997




Uma das minhas primeiras entrevistas para o Grupo Um Milhão de Amigos foi com Eduardo Lages e foi uma das entrevistas de que mais gostei. O que mais me encantou foi o carinho e o respeito do grande maestro a Roberto Carlos, não só ao cantor mas acima de tudo ao ser humano. Seis anos depois e após vários discos e shows, já era tempo de ouvir novamente Eduardo Lages. Aqui está ele de volta, “o amigo, irmão, maestro o compadre e até, quem sabe, o avô” de Roberto Carlos. Como o próprio Roberto faz questão de destacar, o responsável não só pelos arranjos e regência dos shows mas também de quase todas as músicas de seus discos.

* A opinião unânime é que este é um dos melhores discos de Roberto Carlos. Você que é um dos responsáveis diretos pelo trabalho concorda com essa opinião?
"EL" – O dono da verdade em relação a esse sucesso é quem compra. O disco é um produto comercial, feito para ser vendido e, pelo que sei, este disco é um dos quatro ou cinco mais vendidos da carreira do Roberto Carlos. Se ele está tendo uma boa aceitação popular é sinal que o objetivo está sendo alcançado. Realmente é um grande disco e em termos de execução tem três músicas que estão sendo bastante executadas. Tem uma música que entraria na novela “A indomada” mas Roberto resolveu não a liberar. Se entrasse na trilha sonora também seria bem divulgada, como qualquer canção que entre em novela da Globo.

* Como estão as músicas novas no show?
"EL" – Realmente, a gente também vê a resposta desse sucesso nos shows. Com certeza é um reflexo de que o disco está sendo bem aceito pelo público.

* Quais são as músicas novas que entraram no show?
"EL" – Basicamente “Mulher de 40” e “Tem coisas que a gente não tira do coração”. Quando fizemos a excursão no Nordeste também entrou “Cheirosa”. A música “Comandante do seu coração” já está ensaiada com a banda e pode entrar a qualquer momento. Em alguns shows, inclusive no do aniversário do Roberto Carlos, em Porto Alegre, ele cantou “O terço”. Como você vê, são quatro músicas que, apesar de estarem em rodízio, duas sempre são apresentadas. Outro dia eu estava conversando com o Roberto e ele comentou que há muitos anos não fazia um show com quatro músicas novas, do disco do ano, como aconteceu no Nordeste, quando entraram “Mulher de 40”, “Cheirosa”, “O terço” e “Tem coisas que a gente não tira do coração”. É claro que isso é um reflexo do êxito do novo disco.

* No show “Luz”, um dos momentos mais bonitos de Roberto Carlos no palco em todos os tempos, foi quando ele cantou “Fera ferida” com você no piano. Por que aquele número não teve continuidade?
"EL" – Também acho que o número foi muito bonito e pensei, inclusive, em falar com o Roberto para colocar novamente “Fera ferida” na temporada que fizemos no mês passado no Metropolitan. Mas fica difícil agradar a todos os gostos. São muitos sucessos. Muitas pessoas continuam reclamando que “Sua estupidez” e “Romântico” saíram do roteiro. Tivemos que voltar a incluir “Emoções” para atender a pedidos dos fãs. Particularmente, eu também gostava muito de “Fera ferida”, mas naquela época justificava-se a música por causa da novela que estava no ar e que tinha a música na abertura, cantada pela Bethânia.

* Os pedidos dos fãs são muitos?
"EL" – São muitos, e temos que levar e consideração que num show normal, com 1h40m de duração entram cerca de 17 músicas. Com certeza umas 150 ficam de fora. Por isso tem que haver um rodízio. Por isso procuramos escolher o repertório da melhor forma possível, mas é muito difícil atender a todos os gostos.

* Qual o critério usado ao tirar do roteiro músicas novas, como “Romântico” e “Sua estupidez”, que há tanto tempo ele não cantava, e continuar com algumas que já tinham estado no show “Luz”?
"EL" – O show tem que ter um certo balanço, um roteiro de acordo com uma seqüência lógica, com um quadro romântico, um mais alegre, um quadro roqueiro e o das mensagens. A música que entrou no lugar de “Sua estupidez” foi “Emoções”. Hoje Roberto está fazendo shows em grandes espaços, como ginásios e estádios de futebol, e até mesmo no Metropolitan, que é bem maior que outras casas, e para esses grandes espaços “Emoções” é mais adequada. Foi por isso que optamos pela volta de “Emoções”, diminuindo o quadro do banquinho e violão.

* Numa entrevista em 1991 você me disse que considerava “Cenário” uma das músicas mais bonitas que já havia feito para Roberto Carlos. Depois de mais de quatro músicas de sua parceria com Paulo Sérgio Valle gravadas por Roberto, você ainda pensa assim?
"EL" – Talvez seja a mais bonita mas não é a de que mais gosto. A minha preferida é “Confissão”, que não teve tanto sucesso aqui mas que foi muito bem na versão em espanhol, também gravada pelo Roberto. Tenho um carinho muito grande por ela, apesar de ser uma música triste. Mas “Cenário” é uma canção importante, com uma letra inspirada do Paulo Sérgio. Tem tudo a ver com a gente, que vive no palco. Eu quero fazer uma música sobre orquestra. Quero conversar com o Paulo Sérgio sobre isso, sobre uma canção que fale dos instrumentos e do papel do maestro. Esse é o meu mundo, a minha vida é a orquestra.

* “Às vezes penso” foi um marco na sua carreira, já que foi sua primeira música gravada por Roberto Carlos?
"EL" – Sem dúvida, foi muito importante, na verdade essa música teve uma participação muito grande do Roberto. Ele me ajudou muito a fazer a canção, tanto na letra quanto na melodia. Por justiça, “Às vezes penso” teria que ser assinada por mim, pelo Paulo Sérgio e pelo Roberto Carlos. Mas, elegantemente como sempre faz, ele não entrou na parceria. Mas grande parte do sucesso nós devemos a ele por umas mexidas feitas e que ficaram muito bonitas.

* São mais de 25 anos com Roberto Carlos cantando “Detalhes”. Como é para você, diretor musical, criar arranjos diferentes?
"EL" – Para mim a melhor forma de ele cantar “Detalhes”, a mais pura e mais honesta, é tocando violão sozinho, sem orquestra. Qualquer coisa que se coloque além dele e do violão pode acabar atrapalhando. Mas, para efeito de show, é uma música que se presta a muitas formas de apresentação. No show “Coração” fizemos um pout-pourri, com uma retrospectiva de várias músicas, mas sempre voltando a “Detalhes”. No show “Luz” Roberto cantava quase toda com piano, com a orquestra entrando quase no meio da música. Neste show resolvemos apresentá-la na forma original, com o arranjo do disco. Mas, para mim, a forma mais bonita é só com o violão. Só que Roberto já está tocando violão em “Não quero ver você triste” e no ano passado também tocava em “Sua estupidez” e, para o show não ficar muito intimista, coloquei o arranjo original.

* Eduardo, o pout-pourri da Jovem Guarda é o mesmo do show “Luz”. Não se pensou em colocar outras músicas?
"EL" – Tentamos. Cheguei a apresentar uma sequência de músicas novas mas o Roberto não gostou. Não sei se ele já está acostumado a esse e preferiu mantê-lo; é uma questão de gosto. Realmente eu acho que seria bom se trocássemos, porque a Jovem Guarda tem muitos sucessos, mas em primeiro lugar tenho que agradar ao Roberto, pois ele tem que se sentir à vontade.

* O show “Amor” é o primeiro feito sem a presença do Ronaldo Bôscoli. Foi difícil fazer esse roteiro sem seus textos?
"EL" – Ronaldo faz muita falta, principalmente pela ausência perto da gente. A presença do Ronaldo na plateia dava alegria e uma grande segurança. Claro que o time ficou desfalcado sem ele. Os textos agora são do Roberto, que os desenvolveu naturalmente. Não houve nada escrito. Na estreia não havia nenhum texto mas aos poucos Roberto foi colocando, desenvolvendo pelas estradas, tudo da cabeça dele. Mas realmente o Ronaldo faz uma falta muito grande como amigo e como redator.

* Qual a sua participação no disco em castelhano que o Roberto está gravando?
"EL" – A princípio não haveria nenhuma. Ao contrário dos outros, esse disco não é de versões das músicas de Roberto Carlos. São canções hispânicas que ele gostaria de cantar. Esse disco era para ser todo produzido no Exterior, com produtores e maestros estrangeiros, e as únicas participações do Roberto seriam na escolha do repertório e, é claro, colocando a voz. Mas ele não gostou de umas três faixas e me chamou para fazer os arranjos.

* Você me disse, na nossa primeira entrevista, que um dos momentos mais marcantes de sua carreira ao lado de Roberto Carlos foi um show em Niterói, sua cidade natal, em 1979. Ele continua sendo um marco?
"EL" – Olha, alguns shows marcam de uma forma e outros marcam até com certa tristeza. Então fica muito difícil destacar um. Alguns shows eu guardo na minha intimidade, não vem ao caso dizer porque. Niterói continua sendo importante mas também me lembro do de Brasília, em 1980, na Esplanada dos Ministérios, para cerca de 300 mil pessoas. Também foi muito marcante aquele no campo do Flamengo, em 94. Mas nunca vou esquecer da primeira temporada que fiz com Roberto Carlos no Canecão, em 78, quando ele se maquiava de palhaço. Para efeito de carreira aquilo foi a coisa mais importante que acontece na minha vida profissional.

* Como será a participação de Roberto Carlos na visita do Papa ao Rio em outubro?
"EL" – Eu ainda não conversei com Roberto sobre isso mas ele já me falou alguma coisa a respeito. Não sei se ele vai cantar com coral, com uma orquestra sinfônica, com o órgão, com o RC-9. Enfim, ainda não conversamos sobre o assunto. Gostaria de saber porque também quero muito participar. Acredito que seja com a banda, com um arranjo mais elaborado para uma missa tão especial.

* Já que você falou em orquestra, por que Roberto não grava seus discos com o RC-9?
"EL" – O problema é que existem músicos especialistas no mundo inteiro, principalmente nos países mais avançados musicalmente. Existem os que se especializam em estúdios e os de palco. Mas vários músicos do RC-9 já gravaram e ainda gravam com Roberto Carlos. Acho que ele deveria gravar com seus músicos. Quem sabe agora, gravando quase o disco todo aqui isso aconteça?

* Vai ser importante o Roberto, agora dono de um estúdio gravar o disco todo no Brasil?
"EL" – Sem dúvida foi grande vitória que conseguimos. O último disco foi todo gravado aqui e mixado lá fora. Este ano, parece, que o novo disco já será mixado aqui. Eu peguei a época em que o disco todo era feito nos Estados Unidos: gravação, voz e mixagem. Minha participação era muito pouca já que eu fazia apenas o arranjo de uma música por disco que era gravado no Exterior. Vamos esperar que o estúdio fique pronto.

* O disco desse ano será gravado e mixado no estúdio que Roberto está montando?
"EL" – É o que ele quer. Acho um pouco prematuro afirmar isso mas, segundo Roberto, o estúdio estará funcionando em outubro, pelo menos para mixagem.

* Dá muito trabalho elaborar as abertura dos shows?
"EL" – Quando fazíamos o Canecão as aberturas eram feitas muito em função da casa. A partir do momento que começamos a levar os shows para espaços maiores começamos a nos preocupar com ambientes grandes e também com músicas mais conhecidas no Exterior, porque viajamos com os shows. Para não ter várias aberturas, procurei colocar faixas conhecidas lá fora. E na abertura não se pode fugir das já conhecidas, “Amigo”, “Emoções”, “Proposta”. É a única coisa que o Roberto deixa totalmente a meu critério. É claro que já fiz quatro ou cinco aberturas para determinados shows porque ele não gostava, mas sempre tive autonomia total. Ele só dá a palavra final, sim ou não. Quanto ao trabalho, dá muito trabalho, sim, fazer uma abertura. Essa do show atual foi a que demorou mais. Eu fiz umas quatro para chegar à definitiva.

* Qual a sua preferida?
"EL" – A primeira sempre marca. Foi a do show do Canecão em 78. Ela é bem popular, sem muita sofisticação. Você não tem como fugir do “lugar comum”, porque as músicas são as mesmas, a orquestra é a mesma e Roberto não usa efeitos especiais de som em seus shows. Outro dia vi no vídeo um especial do Roberto na Globo, que não lembro o ano, que a abertura ficou muito bonita porque também coloquei sucessos de convidados do programa, o que não pode acontecer nos shows. Acredito que a abertura que fez mais sucesso foi a do show “Detalhes”, porque foi lançado no disco ao vivo.

* No Especial de 96 Roberto cantou uma moda de viola com Sérgio Reis e Almir Satter. Deu trabalho nos ensaios já que é um tipo de canção difícil?
"EL" – Eu não tive participação. Foi uma coisa dos três. Deu muito trabalho para eles, que ficaram cerca de três horas ensaiando. O resultado foi muito bonito. Fiquei sentado, olhando, à disposição para qualquer ajuda, mas o sucesso se deve a eles.

* Como foi o trabalho dos arranjos dos discos de 96?
"EL" – A primeira música que Roberto me mostrou foi “O terço”, depois “Cheirosa”, que não estava terminada, e “Tem coisas que a gente não tira do coração”. Talvez essa tenha sido a primeira música quase totalmente pronta que ele me mostrou. Foram as três primeiras gravadas. Uns vinte dias depois ele acabou “Mulher de 40”.

* De todas as músicas de Roberto Carlos, qual a que você gostaria de ter feito?
"EL" – Gosto muito de “Olha”, uma música brilhante em todos os sentido. Acho que todos os compositores e músicos gostariam de ter feito “Olha”. Gosto também de “Costumes”. “Caminhoneiro” foi uma grande sacada, uma novidade na época, uma música muito inteligente. “Sua estupidez” e “Emoções” estão entre as minhas preferidas.

* E o arranjo de “Cavalgada” que você fez para os shows, não acha que é um grande sucesso?
"EL" – Tenho grande orgulho desse arranjo, que é bastante reconhecido pelo público e pela crítica. Claro que é um arranjo para show, não para o disco.

* Você e o Paulo Sérgio Valle já tem alguma música pronta para o próximo disco?
"EL" – Quando você me ligou para esta entrevista eu estava no estúdio terminando a gravação de uma melodia para entregar ao Paulo Sérgio para ele fazer a letra. Eu acho a música bonita, o que não significa que Roberto a grave.

* Quantas músicas por ano você mostra ao Roberto para ele escolher uma?
"EL" – Não faço muitas músicas e acho até que os compositores que entregam sete ou oito músicas estão forçando a barra. Eu apresento uma ou duas. Às vezes a que sobra de um ano eu guardo para mostrar no ano seguinte.

* Você acha que o sucesso desse disco tem a ver com o grande número de composições da dupla Roberto e Erasmo?
"EL" – O sucesso de um disco não se deve a um só fator. Também depende do artista, do momento, do mercado, da situação econômica do país. Mas é claro que se ele faz sete músicas, como grande compositor que é, com certeza fará sucesso.

* Você acha que ele possa voltar a gravar este ano uma média de sete ou oito músicas?
"EL" – Acho difícil.

* Quanto tempo você leva para fazer o arranjo de uma música?
"EL" – Quanto mais eu gosto da música mais fácil fica fazer o arranjo. O complicado é colocar as ideias no papel, o trabalho braçal. Se não curto a música fica complicado fazer o arranjo. Não é o caso do Roberto, porque existe entre nós uma abertura muito grande. Se eu não sentir a música ou se ele não sentir que eu seja o arranjador ideal, ele chama outra pessoa. Também depende do tipo de gravação e do tipo de orquestra. Se for uma coisa reduzida posso fazer em uma hora, mas para grande orquestra levo em média dois dias, até mesmo cinco dias. O arranjo de “Cavalgada” deu muito trabalho porque teve muita coisa para colocar no papel. Mas a média é de três a quatro horas.

* Como você define Roberto Carlos?
"EL" – Em primeiro lugar é uma pessoa muito querida, muito boa. Em segundo lugar é o maior profissional da música popular do Brasil.

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