FAGNER
entrevista concedida a Carlos Eduardo F.Bittencourt para o
Grupo Um Milhão de Amigos

31.08.2002




Ao longo de sua carreira Roberto Carlos gravou músicas que já haviam se tornado sucesso com outros cantores,
como “Ternura antiga”, “Acalanto”, “A deusa da minha rua”, “Ternura”,
São poucas em relação às mais de 450 músicas de seu repertório.
Uma delas é “Mucuripe”, que havia sido gravada por Elis Regina em 1972,
feita por uma dupla de compositores cearenses, Fagner e Belchior,
que estava surgindo no cenário da música brasileira.
Em 1975, Roberto fez um registro maravilhoso dessa canção.
Agora tivemos a honra de conversar com Fagner, a quem agradecemos não só a gentileza de sua entrevista
mas também a presteza com que nos atendeu.
Um artista movido pelo talento e pela simplicidade.
Parabéns Fagner, você terá sucesso enquanto quiser pois tem muito talento
e não se esqueceu que é gente. Artista, porém gente... e de muitas qualidades.

* Fagner, antes de começar quero agradecer por você ter reservado um espaço em sua agenda para nos atender.
"F" – Eu é queria agradecer a vocês por terem me escolhido para fazer essa entrevista. Assim como vocês eu também tenho um carinho enorme pelo Roberto, a minha relação com ele sempre foi muito apaixonada, inclusive muito próxima, e para a minha alegria eu não poderia deixar de participar desse jornal.

* Como a música começou a fazer parte de sua vida?
"F" – Minha história com a música começou na minha família. Lá em casa todos cantavam, meu pai era cantor de rádio no Líbano, eu tinha um tio que era considerado o maior sanfoneiro do sertão do Ceará, perto de Orós, onde nasci. A minha mãe até hoje é muito afinada. Eu me lembro de que quase todos os meus tios e meus primos tocavam instrumentos, éramos uma família muito musical. Lá em casa, todos cantavam muito, meu irmão até hoje é considerado no Ceará um grande cantor, um grande seresteiro, e me criei ouvindo os discos dele. Talvez a minha formação musical seja genética. Quando eu tinha seis anos de idade ganhei um concurso do Dia das Mães na Ceará Rádio Clube, um prêmio que me marcou profundamente. Eu ouvia muito Altemar Dutra, Cauby Peixoto, Nelson Gonçalves, que chegou a me inspirar nas serestas para as namoradas, até chegar no Roberto Carlos, que mexeu muito comigo, assim como os Beatles. Foi a partir da influência do Roberto dos Beatles e do Caetano que decidi ser cantor profissional. Roberto teve uma importância muito grande na minha caminhada.

* A Jovem Guarda influenciou sua vida e sua carreira?
"F" – A Jovem Guarda teve uma influência muito grande, principalmente nos costumes. Eu usava as roupas parecidas com as do Roberto Carlos, tinha cabelos grandes e tentava imitá-lo no programa que tinha na televisão do Ceará. No programa eu sempre cantava músicas do Roberto Carlos como “As curvas da Estrada de Santos”, “Como é grande o meu amor por você” e tantas outras que ele gravou. “Como é grande o meu amor por você” me marcou profundamente que foi gravada numa época e que eu estava muito apaixonado. Depois a nossa turma no Ceará começou a se interessar por uma música mais intelectual, mas a Jovem Guarda foi muito importante no meu início de carreira. Roberto nunca deixou de ser o meu grande ídolo, a referência maior da música popular, e é ata hoje. Mas o grande momento da minha carreira foi quando Elis Regina gravou “Mucuripe”. Foi ali que eu decidi largar a Universidade em Brasília e ser músico. Aquela gravação mudou profundamente a minha história.

* Hoje a comunicação é muito rápida, mas nos anos setenta não havia essa rapidez. Como era o seu contato, garoto no sertão do Ceará, com a carreira do Roberto Carlos?
"F" – Apesar do grande nome do Nordeste naquela época e até hoje ser o Luiz Gonzaga, que faz da música uma referência da nossa sociedade, dos problemas do sertão, as rádios na minha cidade tocaram muito as músicas do Roberto Carlos. Sempre escutava o Roberto Carlos cantando no rádio e também tomei contato com o mundo dele pela televisão, que transmitia os programas da Jovem Guarda.

* Quais as suas primeiras lembranças do Roberto Carlos?
"F" – As primeiras lembranças que eu tenho são dos programas da Record. Eu até imitava o Roberto no seu jeito de ser. Eu me lembro que tive a oportunidade de cantar numa apresentação que ele fez no Ceará. Roberto era a atração principal do show mas vários cantores e grupos se apresentaram antes. Eu tive esse privilégio.

* Você se recorda da primeira vez em que esteve com Roberto Carlos?
"F" – Eu fui levado pela Elis Regina para fazer um programa do Flávio Cavalcanti e quando estava no camarim ouvi uma gritaria do lado de fora. Era o Roberto Carlos chegando cercado de fãs. Ele já tinha escutado “Mucuripe” e quando soube que eu estava no programa quis falar comigo. Ele me levou para um canto e pediu para que eu cantasse a música. Foi um momento de grande emoção porque enquanto eu cantava “Mucuripe” Roberto começou a chorar e fez grandes elogios dizendo que jamais faria uma música daquele tipo. Foi uma grande emoção que tive naquele dia. Essas palavras do Roberto me marcaram profundamente e me deram força para que eu acreditasse cada vez mais no meu trabalho. Inclusive eu contei essa história no programa de rádio que o Dudu Braga, filho do Roberto, tem em São Paulo.

* Fale um pouco sobre “Mucuripe”.
"F" – A letra é do Belchior e eu coloquei a melodia na hora, não foi difícil. No mesmo dia eu resolvi mostrar para a minha turminha e todos ficaram encantados. “Mucuripe” tem uma história interessante. Roberto só a gravou em 1975, mas quando eu estava colocando a melodia nos versos do Belchior me veio imediatamente a imagem do Roberto. Era o sonho que eu tinha que um dia ele pudesse gravá-la, e isso aconteceu. “Mucuripe” foi a primeira música que eu fiz e que senti que tinha mexido com as pessoas.

* Como você ficou sabendo que Roberto iria gravar “Mucuripe”?
"F" – Roberto me procurou dizendo que queria gravá-la. Eu fui várias vezes à casa dele, em São Paulo, e ele sempre me tratava com um carinho enorme, um verdadeiro irmão. Sempre me levava junto para os lugares, inclusive eu assisti à gravação da música com o maestro Chiquinho de Moraes. Até nisso Roberto foi muito bom comigo, pois eu tive a oportunidade de conhecer esse grande maestro. Eu participei da gravação mas não ouvi o resultado final. A primeira vez que ouvi “Mucuripe” na voz do Roberto Carlos foi em Mossoró, no Rio Grande do Norte, numa tarde em que liguei o rádio e ouvi a gravação. A emoção que tive foi muito grande, talvez a mesma que tive quando escutei pela primeira vez uma gravação minha no rádio. Foi uma emoção muito incrível a que eu tive.

* Você chegou a assistir ao show do Roberto no Canecão, em 75, em que antes de cantar “Mucuripe” ele falava um texto do Bôscoli sobre você e o Belchior?
"F" – Eu me recordo do show. No dia e que eu fui assistir, Roberto me homenageou, eu tive que levantar e fui aplaudido de pé pelo público. Eu gostaria de destacar também a importância do Ronaldo Bôscoli na minha carreira. Ele era casado com a Elis quando ela gravou “Mucuripe”, e eu o considero meu padrinho, uma pessoa muito importante na minha carreira. Vocês sabem bem da importância dele na vida do Roberto. Nós também tivemos em comum esse grande amigo Ronaldo Bôscoli.

* Poucas músicas de outros artistas foram regravadas pelo Roberto Carlos. Como você se sente fazendo parte desse seleto grupo de compositores?
"F" – Roberto é uma marca na minha vida. Como falei, era um sonho que um dia ele viesse a gravar “Mucuripe”, e isso aconteceu. Eu não sabia que ele gravou poucos sucessos de outros artistas, e se eu sou um desses poucos, ao lado de Dorival Caymmi e Dolores Duran que tiveram músicas regravadas pelo Roberto para mim é um orgulho.

* Você voltou a compor outras músicas para Roberto Carlos?
"F" – Depois de “Mucuripe” eu cheguei a fazer algumas músicas para ele, chegamos a conversar sobre as canções, mas ele não as gravou. Há pouco tempo mandei uma música pelo Dudu, que disse que ele gostou, mas também não gravou. Hoje fica mais difícil mandar canções para o Roberto porque ele está gravando um tipo de música que não é propriamente o trabalho que eu faço. Eu não fico preocupado com isso e, quando fizer uma canção que ache ser o estilo, eu mando. Se ele a gravar será um prazer mas isso não me preocupa. Não foi por falta de oportunidade, mas foram caminhos diferentes os que as nossas carreira tomaram.

* É verdade que a música “Borbulhas de amor”, um dos seus grandes sucessos, seria gravada pelo Roberto Carlos?
"F" – Essa é uma história muito engraçada, de que só soube quando participei do Especial do Roberto Carlos, em 91. No camarim o Erasmo me disse que eles tinham passado uma noite no estúdio tentando gravar “Borbulhas”, que o Roberto não tinha gostado da letra do José Luiz Guerra, mas tinha gostado muito da melodia. Como não estavam conseguindo gravar e já eram quase quatro horas da manhã, eles resolveram deixar para gravar no dia seguinte. Só que nesse dia, quando Roberto voltava para casa, ligou o rádio do carro e ouviu a minha gravação. “Borbulhas de amor” foi uma das maiores execuções de uma música em rádio e na época eu cheguei a quebrar um recorde de execuções, recorde que era do Roberto havia doze anos. A versão feita pelo Ferreira Gullar é fantástica, muito bonita, e dificilmente alguém faria algo daquela qualidade.

* Você foi um dos idealizadores do projeto “Nordeste já”, com a gravação da música “Chega de mágoa”. Como o convite ao Roberto Carlos foi feito?
"F" – Roberto foi uma das primeiras pessoas que procurei para fazer parte do disco. Ele esteve várias vezes na minha casa, na do Chico Buarque, e se comportou com muita humildade durante a gravação, sem aquela coisa de estrela, de tratamento vip, nada disso. Roberto não estava nem um pouco preocupado com a parte que iria cantar e quase acabou não cantando porque quando fizemos a divisão da música nos esquecemos dele. Mas no final deu tudo certo, e ele enriqueceu aquele projeto com sua participação.

* Como você se sentiu participando do especial do Roberto Carlos na TV Globo em 1991?
"F" – Foi muito bacana e muito divertido. Eu me lembro que nos ensaios eu o imitava cantando com aquele com de voz analasado. Uma prova da sua humildade é que ele já estava com o texto decorado e mesmo assim me deu liberdade de mudar umas informações sobre minha vida que estavam erradas. Um detalhe engraçado é que entre os ensaios da tarde e a gravação à noite eu aproveitei para cortar o cabelo, e quando entrei no palco ele tomou um susto.

* Você dedicou a música “Fanatismo” ao Roberto Carlos e inclusive incluiu um trecho de “Meu querido, meu velho, meu amigo”. Fale um pouco dessa homenagem.
"F" – Essa música é um poema da Florbela Espanca, e o fato de colocar um trecho de “Meu querido, meu velho, meu amigo” foi intuitivo, porque Roberto sempre fez parte da minha vida. Não foi nada planejado, foi espontâneo. Quando eu estava gravando a música resolvi cantar aquele pedaço de “Meu querido, meu velho, meu amigo”, trecho que acabou ficando. Eu acho que existe uma grande identificação da poesia da Florbela Espanca com a música do Roberto. Ele é um grande compositor, um grande artista, e a sua grande virtude é que a sua poesia é direta e simples.

* Quantas músicas do Roberto Carlos você já gravou?
"F" – No início da minha carreira eu gravei “Nasci para chorar”, música que ele gravou na Jovem Guarda. Depois, nos anos 80, gravei a canção “Como é grande o meu amor por você” e mais recentemente “Custe o que custar”, que não é do Roberto Carlos mas que Edson Ribeiro e Hélio Justo fizeram para ele. Eu gosto muito dessa música e estou com saudades dela. Tenho que voltar a cantá-la.

* Que música do Roberto Carlos você gostaria de ter feito?
"F" – Eu não digo que gostaria de ter feito, mas uma música que certamente um dia eu vou gravar e “Cavalgada”.Ela sempre foi muito marcante para mim, dentre tantas feitas por ele. Eu sempre costumo cantá-la e fica esse desejo de um dia gravar “Cavalgada”, da minha maneira, do meu jeito. Acho que ficaria bonita e já recebi muitos pedidos de pessoas para eu gravar “Cavalgada”. Eu tenho um projeto de gravar um disco com músicas do Roberto que não se tornaram grandes sucessos, aquelas canções que ele gravou e que são pouco conhecidas do grande público. Não é uma coisa para agora, mas é um projeto que penso em realizar. Certamente será um disco bonito.

* Como é a sua relação com o Roberto Carlos atualmente?
"F" – Depois que Roberto gravou “Mucuripe” nós ficamos muito amigos, ele tem um carinho muito grande pela minha mãe, e antigamente quando fazia shows em Fortaleza ele sempre ia lá em casa. Até hoje quando vai a Fortaleza ela liga para ela. No Rio, Roberto vinha muito à minha casa. Hoje nos encontramos muito pouco, porque vivemos num corre-corre de shows, gravações, mas sempre que nos encontramos ele me trata com muito carinho e ternura. É por tudo isso que o considero como um irmão. Eu me lembro de um dia, aqui em casa, em que Roberto ficou brincando com o Caetano Veloso porque nós dois tivemos uma briguinha numa época, e ele curtiu muito a cara do Caetano. Mas tudo de forma muito espirituosa. Roberto gosta muito de brincar com os amigos, de fazer carinho, afago. Nesse aspecto ele é campeão.

* Como você define Roberto Carlos?
"F" – Roberto é uma pessoa iluminada. Não sei até que ponto as superstições o atrapalham ou o beneficiam na vida, só acho que ele deveria se integrar um pouco mais ao nosso dia-a-dia, devia participar mais do mundo artístico. Acho que isso seria fundamental, porque ele é uma pessoa muito carismática, é o cantor que tem a história mais bonita na música brasileira, e a gente sente falta de um músico com a sua importância nas nossas reivindicações, no nosso convívio. O meu estilo é diferente, eu me envolvo em muitas outras coisas, coloco muito a cara à tapa. Eu respeito sua maneira de ser mas acho que ele poderia participar mais da vida brasileira pois nosso país precisa de pessoas que falem, somos um povo com muitos problemas, e pessoas importantes como ele têm que ter uma participação maior na sociedade. Eu gostaria de ter Roberto mais perto, mas se ele quer ficar na dele nós temos que respeitar.

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