HÉLIO JUSTO
entrevista concedida a Carlos Eduardo F.Bittencourt para o
Grupo Um Milhão de Amigos

18.06.2001




Nosso entrevistado faz parte do início da carreira do Roberto Carlos, mas bem do início mesmo,
quando Roberto ainda gravava discos de 78 rotações.
Ele vai nos contar um pouco daqueles tempos em que convivia com o nosso Rei
e falar das suas músicas gravadas por Roberto Carlos.

* Hélio, como foi o seu início na música?
"HJ" – Eu comecei como músico tocando nas boates de Copacabana e na época conheci o Cauby Peixoto. Eu tinha um conjunto e fizemos shows com o Cauby em trinta e sete cidades do interior do Estado do Rio. Comecei a ter vontade de compor e fiz algumas canções. O Cauby Peixoto gravou a minha primeira música, “Meu amor, minha maldade”. Com o sucesso resolvi continuar minha carreira de compositor e um dia conheci Célia Vilela, que tinha um programa na Rádio Guanabara com o José Messias. Ela me falou de um novo estilo que estava surgindo lá fora, o rock, e disse que eu tinha que fazer música jovem pois a onda do yê-yê-yê ia estourar no mundo inteiro. Não demorou nem um mês e o rock começou a tocar nas rádios brasileiras. Nessa época eu conheci Carlos Imperial, que tinha um espaço no programa do Jair de Taumaturgo, na TV Tupi, para cantores que estavam iniciando a carreira. Foi nesse período que começou o movimento do rock brasileiro, de onde surgiu a Jovem Guarda.

* Foi Carlos Imperial quem o apresentou ao Roberto Carlos?
"HJ" – Não, eu conheci o Roberto através do Luiz de Carvalho, que tinha um programa na Rádio Globo. Eu tocava violão no conjunto que participava do seu programa, e nos finais de semana o Luiz organizava caravanas que se apresentavam no interior do estado. O nosso conjunto acompanhava os cantores, e a primeira que eu vi o Roberto Carlos foi num show que fizemos num circo, em Cantagalo, num sábado. Roberto Carlos já fazia sucesso com “Malena” e veio conversar comigo dentro do ônibus, contando que iria gravar um outro disco de 78 rotações. Disse que na segunda-feira iria ter a resposta da Colúmbia sobre a gravação do disco e me pediu uma música. Quando a gravadora deu o ok, eu fui até a sua casa, na Rua Gomes Freire, e mostrei “Triste e abandonado”, que já tinha pronta.

* Como foi a gravação? Fale um pouco desse sucesso.
"HJ" – Roberto gravou “Triste e abandonado” duas semanas depois, com arranjo do maestro Astor. Essa música é muito especial, pois havia pouco tempo que minha mãe tinha falecido, e resolvi fazer uma canção que falava da tristeza de me sentir abandonado. Eu acompanhei a gravação no antigo estúdio da CBS, na Rua Visconde Rio Branco, no Rio. Ela fez muito sucesso, ficando cerca de três meses entre as mais executadas nas rádios. Nunca me esqueço que um dia fui à CBS e a vi no quadro de vendagem em primeiro lugar. Foi “Triste e abandonado” que fez com que o Roberto ultrapassasse o Sérgio Murilo, que na época era o campeão de vendagem da gravadora.

* Que pessoas você considera que tenham tido importância no inicio da carreira de Roberto Carlos?
"HJ" – Quando o movimento do rock surgiu, duas pessoas foram fundamentais, o José Messias e o Jair de Taumaturgo, que tinham programas de rádio. Eles resolveram abrir seus programas para aquele tipo de música que estava surgindo, e foi justamente na época em que o Roberto gravou a minha música. O Jair colocava “Triste e abandonado” no primeiro lugar no quadro “Peça bis pelo telefone”. José Messias, para não perder o ibope do seu programa, chamou Roberto para participar do quadro “O cantinho da juventude” durante dois dias. Nesse espaço Roberto cantava ao vivo e levava os convidados. Com isso o Roberto estava sempre com seus discos tocando nos programas da maior audiência.

* Quando você começou a perceber que Roberto Carlos se tornaria um grande cantor?
"HJ" – Quando ele gravou “Triste e abandonado”. Com o sucesso da música eu sempre dizia para ele continuar com aquela simplicidade porque assim iria longe, seria um dos maiores ídolos do Brasil. Acho que não errei. Eu já imaginava que Roberto Carlos iria fazer muito sucesso porque via muita personalidade nele, não só na escolha do repertório como nas apresentações ao vivo. Eu sentia algo diferente no Roberto Carlos em relação aos outros cantores.

* Além dos encontros nas caravanas do Luiz de Carvalho, vocês estavam sempre juntos?
"HJ" – Eu cheguei a fazer muitos shows com o Roberto Carlos, apresentados pelo Messias e pelo Jair de Taumaturgo. Roberto sempre foi uma pessoa muito brincalhona, muito divertida. Ele adorava contar piadas, grande parte impublicáveis. Dentro do ônibus que nos levava para os shows era uma festa do princípio ao fim. Na ocasião eu tinha um conjunto, “The blues in rock”, que tocava no programa do Jair de Taumaturgo, e como o Roberto participava do programa ele se acostumou a cantar conosco e nos convidava para acompanhá-lo nas viagens.

* Fale um pouco da sua segunda música gravada por Roberto, “Baby, meu bem”.
"HJ" – Eu tive uma grande sorte porque “Baby, meu bem” foi lançada no disco 78 rotações junto com “Splish, splash”. Como “Splish, splash” foi o maior sucesso do Roberto Carlos até aquela época, a minha música fez sucesso junto. Até hoje ela vende bem. “Baby, meu bem” tem uma letra jovem no estilo yê-yê-yê da época.

* Com mais de quarenta anos de carreira, Roberto Carlos é muito exigente e perfeccionista em suas gravações. No início de sua carreira ele já era assim?
"HJ" – Muito, Roberto sempre teve um carinho grande na escolha do repertório, e é por isso que faz tanto sucesso. Ele só grava o que gosta mesmo. No início da sua carreira já era assim. Roberto tem uma visão comercial maravilhosa, sabe o que quer. O Roberto é uma pessoa muito meiga, que sempre gostou de ajudar as pessoas. Até hoje é assim e acho que também por isso ele é esse grande ídolo.

* Roberto já era supersticioso quando jovem?
"HJ" – Isso ele sempre foi. Essas manias com marrom, com não passar debaixo da escada... Ele também não segura em nada que tenha um nó. Eu me lembro que quando íamos ao estúdio da CBS ele nunca passava por baixo de uma escada que havia no local.

* Que curiosidade você pode nos contar desses shows que faziam pelo interior?
"HJ" – Quando era jovem Roberto era muito namorador e em todas as cidades em que nos apresentávamos ele logo arrumava uma namoradinha. Lembro que certa cidade, ele conseguiu arranjar três namoradas, e no final do show elas brigaram por ele.

* Hoje é um grande mistério o compositor saber se sua música será gravada pelo Roberto Carlos. No início também era assim?
"HJ" – Não. Antigamente era bem mais fácil. Quando ele pegava a nossa música era quase certo que seria gravada. Hoje as coisas são bem mais complicadas, não só com Roberto Carlos mas com outros cantores também. Já me contaram que hoje quando o Roberto vai gravar uma música ele faz vários testes antes de saber se ela é boa, se será bem aceita pelo público, e às vezes dias antes do lançamento do disco, mesmo com a música já gravada, ele resolve não lançar.

* A sua terceira música que ele gravou foi “Onde anda o meu amor”.
"HJ" – Ela também está no disco que tem “Splish, splash”. Por sinal, eu tenho duas músicas naquele disco. Quando eu mostrei “Baby, meu bem” e “Onde anda o meu amor” Roberto me pediu várias vezes para não mostrá-las para ninguém porque ele iria gravar. Ele ficava com medo que os outros cantores se antecipassem e gravassem antes dele. Além delas eu também tinha outras duas que ele gostou muito e até chegou a pedir ao Evandro Ribeiro, diretor da CBS e produtor de seus discos, para gravar um compacto duplo só com as minhas músicas. Infelizmente seu Evandro não deixou.

* Por que depois dessas músicas Roberto só veio a gravar outra composição sua em 1968, “Ninguém vai tirar você de mim”?
"HJ" – Eu passei um momento particular difícil e me afastei um pouco a música. Só que naquela época eu resolvi voltar, incentivado pelo Édson Ribeiro, que veio a ser meu parceiro. Fizemos “Ninguém vai tirar você de mim”. Ela foi inspirada no namoro do Roberto Carlos com a Nice. Nós a mostramos para o Roberto antes de uma de suas apresentações num programa de televisão, programa que ele teve depois que deixou de participar do “Jovem Guarda”.

* Como você conheceu o Édson Ribeiro?
"HJ" – Nós morávamos na Penha e sempre nos encontrávamos pelo bairro. Nossa parceria rendeu muitos sucessos.

* Depois de tanto tempo sem fazer música para o Roberto pareceu mais difícil compor para ele? Roberto já estava mais exigente?
"HJ" – Sem dúvida. Ele já estava bem mais exigente em termos musicais, já era mais famoso, tinha estourado com a Jovem Guarda, já tinha vencido o Festival de San Remo, e a concorrência de compositores era maior.

* “Custe o que custar” foi o maior sucesso de vocês?
"HJ" – Foi, sim. O compacto vendeu mais de cem mil cópias. Já tivemos gravações de “Custe o que custar” na França e em Israel. Sua composição tem uma história interessante. Ao chegar em casa depois de um show em Colatina, no Espírito Santos, eu tinha que pagar uma conta de luz que estava atrasada. Quando eu estava na fila do banco veio a ideia da música com a frase: “Já nem sei dizer que sou feliz ou não”. Eu estava torcendo para que nenhum conhecido chegasse naquele momento para que eu não perdesse a ideia da cabeça nem a frase. O pior é que a fila não andava. Depois de pagar a conta, fui para a casa do Edinho e na mesma hora fizemos a canção.

* Essa música foi regravada por Roberto Carlos em 1994. Foi uma surpresa para você?
"HJ" – Eu soube pelo Édson Ribeiro que Roberto ia regravá-la. O Edinho tinha muito contato com o Roberto porque eles eram amigos desde os tempos de infância em Cachoeiro, inclusive a mãe do Roberto, dona Laura, sempre tratou o Edinho como um filho. Naquela época, o Roberto estava com planos de regravar músicas antigas. Parece que ele ouviu a primeira gravação de “Custe o que custar” e comentou com o Mauro Motta que a voz dele estava bastante bonita na gravação. Então o Mauro sugeriu a regravação.

* Como foi a mudança que Roberto Carlos fez na última parte de “Custe o que custar”, quando decidiu regravá-la.
"HJ" – Ele pediu autorização ao Edinho para mudar a última parte, trocando “será, meu Deus, enfim, que eu não tenho paz”, por “somente em Deus, enfim, é que eu encontro a paz”. Imagine o Roberto pedir autorização para alguma coisa... Isso mostra sua humildade, porque se fosse um outro cantor nem pediria autorização.

* A primeira gravação de “Custe o que custar” é de 1969 e a segunda de 1994. De qual você mais gosta?
"HJ" – Pela beleza e pelo arranjo, eu prefiro a de 94, apesar de a primeira ser a mais original. É curioso que até hoje quando canto essa música nos shows muitas pessoas me perguntam porque ele fez a mudança. Eu sempre respondo que ele mudou porque quis, porque tem toda a competência para fazer isso, já que, afinal, ele é o Rei. Eu gostei da mudança.

* As pessoas também o reconhecem como autor de sucessos de Roberto Carlos?
"HJ" – Muita gente me reconhece como o compositor e quando faço shows pelo interior muitas vezes o público vem falar comigo sobre as músicas gravadas pelo Roberto. Suas gravações marcaram a minha carreira e a minha vida.

* Você chegou a participar dos programas da Jovem Guarda?
"HJ" – Não, eu cantei muito pouco na década de 60. Na época eu era mais músico. Minha carreira de cantor começou mesmo foi em 1972, quando fui o cantor mascarado do programa do Chacrinha.

* Qual a importância da Jovem Guarda para a música brasileira?
"HJ" – Foi um movimento que marcou a música brasileira e que nunca irá acabar. Além dos cantores da Jovem Guarda que ainda fazem sucesso, essa nova geração de roqueiros cresceu influenciada pelo movimento.

* Por que Roberto Carlos não grava músicas inéditas suas desde “Custe o que custar”, em 69?
"HJ" – Não sei. Eu continuo mandando músicas para ele gravar mas hoje existe uma dificuldade muito grande para se estar pessoalmente com o Roberto e até mesmo para falar com ele por telefone. Nem sei se ele recebe as músicas que mando.

* De todas as músicas gravadas pelo Roberto Carlos, qual a que você mais gosta?
"HJ" – Se tiver que escolher uma, é “Emoções”. Mas eu também gosto muito de “Detalhes” e de “Quando as crianças saírem de férias”.

* Quando foi a última vez que vocês estiveram juntos?
"HJ" – Foi quando eu soube que ele ia regravar “Custe o que custar”. Fui até o estúdio da Som Livre e fiquei esperando ele chegar. Quando ele chegou e me viu, me abraçou, fez uma festa enorme, largou todo mundo, me puxou para um canto e ficamos conversando por um bom tempo. Foi muito bom reencontrá-lo. Ele até brincou dizendo que ia regravar a minha música e que eu iria ganhar uma “graninha” com a vendagem. Antes de entrarmos no estúdio ele conversou com as plantas, coisa eu sempre faz. Eu queria muito conversar com ele agora, mas está realmente difícil. Antigamente não havia essa dificuldade toda. Para falar a verdade eu acho que pela nossa amizade do passado não deveria ser assim, quase impossível, falar com ele.

* Fale um pouco sobre o compositor Roberto Carlos.
"HJ" – Ele é espetacular. Ele e o Erasmo Carlos mudaram completamente a história da música brasileira. São excelentes letristas e músicos. Essa dupla ficará para sempre.

* Vamos falar um pouco sobre seus parceiros nas músicas gravadas por Roberto Carlos.
"HJ": Erly Muniz – Ela é esposa do Roberto Muniz, compositor que era apresentador do programa na Rádio Globo. Na verdade o Roberto Muniz é que seria citado como meu parceiro, mas como ele pertencia a outra sociedade de direitos autorais não podia assinar as músicas comigo. Nos discos só podiam constar os nomes de compositores da mesma sociedade, então a solução foi registrar a minha parceria com a esposa dele, Erly Muniz.
Titto Santos – Era um músico que tocava nas noites e que me ajudou muito nas boates em Copacabana. Um compositor muito inteligente. Hoje ele mora em Petrópolis, escreve para um jornal, mas há muito tempo que não o vejo; perdemos o contato. Nós temos outras parcerias além de “Baby, meu bem”, gravadas por outros cantores.
Édson Ribeiro – Um excelente compositor, faz letras maravilhosas, muitas delas bastante comerciais visando o sucesso, tocando fácil no coração das pessoas. Roberto Carlos gravou músicas maravilhosas do Edinho que não foram feitas em parceria comigo.

* Como você vê o sucesso de Roberto Carlos?
HJ – Aconteceu muito por causa da sua humildade, da sua simplicidade. Roberto tem muito amor no coração para dar às pessoas, gosta de ajudar a todos. Eu nunca vi tanta simplicidade numa pessoa. Ele é muito educado e tem uma estrela maravilhosa. Deus deu todo esse sucesso a Roberto porque realmente ele o merece.

* Como você define Roberto Carlos?
HJ – Um mito da música popular brasileira. Jamais haverá outro cantor e compositor que chegue perto do seu sucesso. Ele é dessas pessoas especiais que Deus coloca na terra. É uma criatura abençoada com um lado espiritual muito grande, uma pessoa de muita luz, com um coração maravilhoso, e que gosta de ajudar a todos. Por isso ele é sucesso há mais de quarenta anos. É guerreiro, lutador, inteligente. Sei que também tem defeitos mas para mim ele é perfeito.

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