ISOLDA
entrevista realizada na sede do Grupo Um Milhão de Amigos
14 de setembro de 1998




Há certas entrevistas que sempre sonhei fazer. Alguns desses sonhos eu já consegui realizar.
Não posso negar que Isolda foi sempre uma das artistas que eu sempre quis entrevistar.
O sonho se tornou realidade.

* Como você começou sua carreira musical?
"Is" – Ainda criança, com meu irmão, Milton Carlos, eu brincava de fazer música. Nós encenávamos teatro com as minhas bonecas e eu fazia a trilha sonora da peça. Para mim, fazer música sempre foi como brincar. Era gostoso, era um jogo. Depois fomos crescendo e meu irmão começou a aprender a tocar violão. Ele queria ser cantor. Depois de um certo tempo ele conseguiu gravar um disco e até participar de festivais. Com isso a brincadeira virou coisa séria e começamos a encarar a música profissionalmente. Com os primeiros sucessos eu parei de estudar e me entreguei inteiramente à música. Foi assim o começo.

* Nessa época você já era fã de Roberto Carlos?
"Is" – Eu sempre gostei muito do Roberto Carlos. É verdade que na época da Jovem Guarda eu era muito criança e não acompanhava o programa. Mas já gostava do Roberto Carlos. Eu nunca poderia imaginar que algum dia ele iria gravar uma música minha. Eu gostava tanto dele que uma vez briguei com uma menina do colégio por causa dele. É verdade que canções como “Splish, sphash” e “O calhambeque” sempre fizeram parte da minha infância. Mas até chegar a ter uma música gravada pelo Roberto muito tempo se passou.

* Como isso aconteceu?
"Is" – Meu irmão havia gravado um disco e nós fazíamos vocal em estúdio para outros cantores, até que um dia estávamos gravando com o Eduardo Araújo e ele disse que mais tarde iria visitar o Roberto. Eu e o Milton tínhamos feito uma música, “Amigos, amigos”, e pedimos para o Eduardo entregar ao Roberto. Mas o tempo passou e nós até nos esquecemos que o Roberto estava com a nossa música. Um belo dia soubemos que ele havia gravado a nossa música. Foi assim que tudo começou.

* E quando foi a primeira vez que você esteve com o Roberto?
"Is" – Foi bem depois. Acho que no escritório dele, quando eu e meu irmão fomos levar “Pelo avesso”, por volta de 1975. Quando estive com Roberto naquela ocasião, ele havia acabado de lançar “Elas por elas”. A nossa maior felicidade foi quando no disco de 76 encontramos duas musicas nossas, “Um jeito estúpido de te amar” e “Pelo avesso”. Mas a minha grande tristeza foi que meu irmão morreu antes de o disco ir para as lojas.

* Qual a importância da música “Amigos, amigos” em sua vida?
"Is" – Foi o grande marco de nossas vidas. Essa foi a primeira música nossa gravada por ele.Se bem que sempre que Roberto Carlos grava uma música minha é um acontecimento da maior importância, é como se fosse a primeira vez. Eu comemoro mesmo, e a maior alegria, a realização de um sonho. Como se fala na gíria, digo que ganhei o ano!

* Como foi sua reação ao escutar pela primeira vez a sua primeira música gravada por Roberto Carlos?
"Is" – Foi maravilhoso. Só soubemos que nossa música estava no disco quando saiu a relação do que ele havia gravado naquele ano (1973). Ninguém havia nos dito que “Amigos, amigos” havia sido gravada. Quando lemos nos jornais quase nem acreditamos. Aí ligamos para a CBS (atual Sony & BMG) e tivemos a confirmação. Mas só ouvimos a gravação quando o disco chegou às lojas.

* Como era o seu processo de parceria com seu irmão?
Is – Milton fazia a melodia e eu fazia a letra. Quase sempre era assim, mas há canções em que eu comecei a música e a letra e ele continuou. Também acontecia o contrário. Eu nunca consegui fazer só a melodia. Mesmo quando passei a compor sozinha adotei sempre o processo de fazer música e letra juntas. Ou então pego a música e coloco a letra.

* Vamos agora falar de uma música especial na carreira de Roberto Carlos, “Outra vez”.
"Is" – “Outra vez” foi feita logo depois da morte do Milton. Eu fiz a canção e fui para o estúdio com o Sérgio Sá, para gravarmos uma fita demo, para mostrar ao Roberto. Nessa fita havia algumas coisas antigas que eu havia feito com o Milton um pouco antes de ele morrer e apenas uma musica só minha, que era “Outra vez”. Deixei a fita no escritório do Roberto e algum tempo depois liguei para saber se havia alguma novidade. Foi aí que soube que ele havia gravado “Outra vez”. Sinceramente, eu não esperava que o Roberto gravasse essa música, porque é uma letra muito comprida, não tem refrão e não é nem um pouco comercial. Eu quase não mandei “Outra vez” naquela fita. E não é que virou um enorme sucesso!

* Foi difícil compor “Outra vez”, esse marco da Música Popular Brasileira?
"Is" – Não. Até que foi fácil compor “Outra vez”. Um certo dia saí com alguns amigos e começamos a conversar sobre amores antigos. Cada um ia falando do maior romance que teve na vida e eu me lembrei do meu. Aí começou a pintar a letra e também a melodia. Fiz a música até com certa facilidade.

* Então você concorda quando Roberto fala, nos shows, que todo mundo já passou por aquela situação?
"Is" – Com certeza. Acho que todo mundo.

* “Outra vez” foi uma música feita para Roberto Carlos gravar?
"Is" – Não, nenhuma das músicas que faço visa um determinado artista para gravá-la. Eu faço o que sinto naquele momento. São coisas que já passei ou que estou passando, mas tudo é muito sincero. Minhas canções são sempre inspiradas em fatos verídicos. É difícil falar que não se conhece. Acho que usamos a música como terapia, desabafamos no violão, na letra... Quando à “Outra vez”, eu nunca pensei que ela fosse estourar. Eu acho a letra muito pessoal, muito íntima, e que só eu iria entendê-la. Com sinceridade, eu mandei essa música para o Roberto Carlos ouvir apenas porque havia sobrado espaço na fita. Para mim não havia nenhuma chance de ele gravar e é claro que nunca imaginei tal sucesso. Por isso acho que de intuição sou horrorosa.

* Para você, “Outra vez” é uma história de amor triste ou alegre?
"Is" – Algumas pessoas acham que é uma música de fossa mas a letra não fala de separação. A canção conta a história de um grande amor que existiu, e eu a acho feliz, é a saudade que eu gosto de ter, é uma saudade legal, como diz a letra. É uma saudade feliz.

* Algumas pessoas até acham que “Outra vez” é do Roberto e Erasmo. Como a autora encara isso?
"Is" – Sem o menor problema. Nem ligo! Só de ouvir Roberto cantando a minha música já está ótimo, é maravilhoso!

* Roberto Carlos mexeu na letra ou na melodia de “Outra vez”?
"Is" – Alguma coisa na melodia, mas bem pouca coisa. Na letra não mexeu, não tirou nenhuma vírgula. Isso é incrível, perto do que ele costuma fazer.

* E em outras músicas, Roberto fez alguma alteração?
"Is" – Já mexeu bastante, principalmente em “De coração pra coração”, que foi a que ele mais alterou. Ele estava nos Estados Unidos, gravando, e eu perdi a conta dos inúmeros telefonemas que trocamos para podermos mexer na letra. Eu trocava uma parte, depois ele ligava pedindo para trocar outra parte. Foi assim durante uns dois dias. Mas o Roberto pode tudo!

* Você imagina qual terá sido a reação do Roberto Carlos quando ouviu “Outra vez”?
"Is" – Não sei, ninguém me contou nada. Conhecendo bem Roberto Carlos, confesso que na época pensei que ele só tinha gravado para me ajudar por causa da morte do meu irmão. Eu não conhecia ninguém no meio artístico; quem agitava tudo, ia atrás dos compositores levando nossas músicas, era o Milton Carlos. Com sua morte, eu tive que começar a fazer essas coisas e isso não foi nada fácil. Por isso imaginei que Roberto havia gravado por amizade.

* Como você se sente ao ver a reação positiva do público quando Roberto começa a cantar o primeiro verso de “Outra vez”?
"Is" – É indescritível. Nessa temporada do Roberto no Metropolitan (show “Romântico”, 1998), eu assisti ao show do dia 5 de setembro de um lugar privilegiado, da mesa de som, de frente para a platéia, para mim o melhor lugar. Quando ele começou a cantar e todos cantaram juntos foi uma emoção que eu nunca havia sentido. No final, quando ele dedicou-me o show, quase tive um ataque cardíaco. Sem dúvida essa foi a maior emoção de todas.

* Para você, o que há de especial nessa música que toca a todos?
"Is" – Não tenho a menor dúvida. Coloquei na música o mesmo sentimento que coloquei nas outras. Olha que Roberto já gravou dez músicas minhas, mas “Outra vez” continua sendo imbatível. Por enquanto é a música que marcou a minha vida. Espero que surjam outras assim.

* Nunca surgiu a possibilidade de uma parceria com Roberto Carlos?
"Is" – Há algum tempo combinamos uma parceria, mas não houve uma evolução. De repente pode ser que a idéia retorne, quem sabe?

* Por que Roberto Carlos não grava uma música sua desde 1986?
"Is" – Talvez porque eu tenha enviado para ele músicas que não combinavam com a linha do disco. Às vezes isso acontece.

* O que você destaca no Roberto Carlos como intérprete?
"Is" – Eu destaco a doçura, a ternura, o carisma. Eu sempre digo que Roberto Carlos é um “kit de coisas boas”, tudo nele é bom. Ele é uma pessoa muito carismática, tem uma bondade transparente. Só de olhar para ele você já sabe que ele é uma pessoa bondosa. Mesmo quem o vê pela primeira vez logo percebe isso. É uma coisa de bem, de luz, de claridade. Parece que eu vejo luz no Roberto Carlos. A voz dele parece veludo.

* De todas as suas músicas gravadas por Roberto Carlos, qual a sua preferida?
"Is" – Bem, deixando à parte “Outra vez”, eu gosto muito da gravação de “Tente esquecer”. Ele canta essa música muito bem, transmite com exatidão o que coloquei na letra. Também gosto muito da maneira como ele canta “Um jeito estúpido de te amar”.

* “Tente esquecer” foi gravada logo depois de “Outra vez”. Como foi fazer essa música depois daquele sucesso?
"Is" – Foi uma “barra”. Mandei várias fitas até Roberto escolher “Tente esquecer”. Foi terrível. Pensei que o disco daquele ano fosse sair sem uma composição minha.

* Como é o seu contato com Roberto Carlos no dia-a-dia?
"Is" – Roberto é uma das pessoas mais gentis e educadas que eu já vi. É um verdadeiro cavalheiro. Sempre me tratou super bem, acima da média. Não estou falando isso porque vocês são o fã-clube dele. Acho que não sou a única pessoa que pensa assim. Ele sempre se coloca à disposição dos amigos. Ele é uma pessoa que está no meu coração, de quem eu gosto muito.

* O que você destaca em Roberto como ser humano?
"Is" – A bondade. Eu vejo como uma pessoa muito boa, fora seu talento e sua genialidade. Engraçado, quando estive com ele pela primeira vez foi como se já o conhecesse, como se fosse um amigo antigo. Ele é um mito na música mas eu sempre me sinto super à vontade junto dele.

* Das músicas que Roberto fez, qual a que você gostaria de ter feito?
"Is" – Você está brincando comigo... São inúmeras, mas “De tanto amor” é demais.

* Sua carreira passou a ter um maior reconhecimento depois que Roberto passou a gravar suas músicas?
"Is" – As pessoas até me conhecem como compositora do Roberto Carlos. Até mesmo os outros cantores. Então, quando me pedem música é porque estão querendo música romântica, algo do gênero Roberto Carlos. Eles já pedem canções esperando por isso, se bem que eu faço outros gêneros. Todas as pessoas falam que as minhas músicas têm a cara dele e eu acho isso maravilhoso. Não sei se realmente é assim mas a verdade é que gosto tanto do Roberto e ouço tanto seus discos que acabo influenciada. Não posso negar. Estou muito ligada à carreira dele.

* Você mandou alguma música para Roberto gravar este ano?
"Is" – Já mandei umas duas fitas para ele, com músicas que eu acho que são ótimas. É claro que todo compositor acha que suas músicas são ótimas. Estou rezando para que ele grave alguma. Umas são minhas e outras em parceria com o Sérgio Sá.

* Você tem todos os discos do Roberto Carlos?
"Is" – Agora estou completando a coleção em CD. Na época do vinil eu só tinha os que têm as minhas músicas. Depois fui comprando os CDs com as minhas músicas e agora estou completando a coleção. Vivo ouvindo os discos do Roberto Carlos.

* O que Roberto Carlos lhe passa quando está no palco?
"Is" – Para mim ele é o grande Rei. Ele é uma majestade. Já vi muitos outros shows mas nunca vi um show como o do Roberto Carlos, nem de cantores internacionais. É um espetáculo impressionante, eletrizante, mágico. Ele toma conta, sozinho, de um palco enorme. É como se ele tivesse três metros de altura. Falando baixo, cantando só com piano ou violão ele consegue manter a atenção de uma platéia inteira, independente do número de pessoas. É um carisma que não sei se podemos encontrar em outro cantor. É um fenômeno.

* Depois de falarmos tanto de “Outra vez”, vamos falar um pouco de suas outras músicas?
"Is" – “Amigos, amigos” era uma história pessoal do meu irmão. Ele começou a música e terminamos juntos. “Jogo de damas” também foi uma experiência pessoal do Milton Carlos e eu continuei a melodia com a letra. “Elas por elas” veio no final do meu casamento e retrata bem aquela época. “Um jeito estúpido de te amar” é a mesma coisa. Quando termina o casamento você fica naquela de volta ou não volta. “Pelo avesso” foi uma idéia do Milton. Apenas continuei com ele a melodia e a letra. “Tente esquecer” foi uma tentativa de voltar para o meu primeiro marido mas que não deu certo. Depois de “Outra vez” é a minha favorita. “Como é possível” é uma parceria com o Sérgio Sá. Foi uma pessoa que pintou na minha vida, e na época até me passava a idéia de que já o conhecia, uma alma gêmea, como se diz na psicologia. “De coração pra coração” é uma música do Mauro Motta, Lincoln Olivetti e Robson Jorge. Foi o próprio Roberto quem me escolheu para colocar a letra. Ela teve a opinião direta dele e tive que fazer várias alterações até chegar à letra definitiva. Engraçado que dos três parceiros dessa música, o único que conheço pessoalmente é o Mauro Motta. A música me deu muito trabalho. “Quando vi você passar” o Mauro Motta me mandou a melodia e eu fiz a letra.

* Como você define Roberto Carlos?
"Is" – Como cantor ele é um fenômeno que conseguiu conquistar três gerações. A minha filha e a minha mãe adoram Roberto Carlos. Como ser humano é uma pessoa de bondade, de um amor muito grande, é um ser humano maravilhoso. Ele faz coisas que ninguém fica sabendo apenas para ajudar as pessoas. Na maioria das vezes os artistas não são assim. Ninguém se preocupa tanto com o semelhante como Roberto Carlos. É uma pessoa iluminada.

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