JERRY ADRIANI
entrevista a Carlos Eduardo F.Bittencourt
exclusiva para o Grupo Um Milhão de Amigos

17.08.1998




* Como você começou a sua carreira?
"JA" – Desde muito cedo gostava de cantar e quando era criança cantava em escolas e festas. Como, por parte da minha mãe, sou descendente de italianos, eu iniciei cantando músicas italianas. Incentivado pela família fui estudar canto lírico mas pelos 14 anos resolvi abraçar a carreira de cantor popular. Aos 16 fiz parte de um conjunto chamado “Os Rebeldes”, na região do ABC paulista. Aí passei a ser Jerry, uma homenagem ao Jerry Lewis, ator americano, mas o Adriani só apareceu quando fui convidado pela CBS para gravar meu primeiro disco “Italianíssimo”, só com repertório em italiano. Tirei esse nome de um cantor italiano chamado Adriano Giolentano mas achei que Adriani soava melhor que Adriano.

* Como foi a passagem do disco italiano para o rock?
"JA" – Eu sempre gostei de rock e cantava rock. Só gravei um disco em italiano porque a música italiana estava em evidência. Não só eu mas toda a geração jovem guarda, inclusive o Roberto Carlos, tinha como ídolos Paul Anka, Little Richard, Chuck Berry e principalmente o Elvis Presley. Na minha infância e adolescência tive as duas influências, o rock e a música italiana, por causa da minha família.

* Foi na CBS, quando gravou o primeiro disco, que você conheceu Roberto Carlos?
"JA" – Quando eu cantava com “Os Rebeldes” no programa do Júlio Rozemberg (aos sábados na TV Cultura e aos domingos na Tupi) a Edy Silva, que trabalhava com o Roberto Carlos, ficou de conseguir para mim um teste com o Evandro Ribeiro, diretor geral da CBS. Só que o tempo passou e nada do teste. Até que um dia apareceu no programa, um divulgador da gravadora, exatamente o Roberto Carlos, que deu a maior força para eu fazer o teste. Na verdade ele foi um dos responsáveis pela minha entrada na gravadora. Então pedi as contas na firma onde trabalhava, tranquei a matrícula no colégio e vim com tudo para o Rio para gravar o disco.

* O que você achou do Roberto Carlos nesse primeiro contato?
"JA" – Conheci uma pessoa alegre, simples, gentil e amiga. Daí nasceu uma amizade e logo ele passou e me chamar de “Agrião”, que é como até hoje ele me chama.

* Você chegou a frequentar a Turma do Matoso?
"JA" – Não, a turma ficou famosa nos anos 50, com Roberto, Erasmo, Jorge Ben, Tim Maia, Arlênio Lívio. Eu cheguei ao Rio por volta de 64 e o Roberto, então, já era famoso.

* Como foram os outros encontros com Roberto Carlos?
"JA" – Eu me lembro que no dia em que tirei a fotografia para a capa do meu disco, fui a um show num circo, comandado pelo José Messias. Lá foi a segunda vez que vi Roberto Carlos. Ele pediu para o Messias dar uma força para o meu disco. Depois passamos a nos encontrar com frequência porque eu me hospedava num hotel perto da Rua Gomes Freire, onde Roberto morava. Eu ia muito à casa dele, cantava músicas italianas para dona Laura. Eu era muito jovem, vim para o Rio com 17 anos, e Roberto ficava com medo que eu me perdesse no cidade. Ele pediu aos amigos para me darem uma força e dois deles deram mesmo, o Luís Carlos Ismail e o Dedé. Na primeira vez que o Dedé foi a São Paulo ficou hospedado em minha casa.


* Você e Roberto chegaram a viajar juntos para shows? "JA" – Às vezes íamos juntos para São Paulo. Lembro-me de certa vez em que fomos de carro, e um caminhão, com 40 trabalhadores braçais, bateu no Fusca dele. A batida foi proposital pois eles tinham bronca da gente. Era aquela coisa de sermos os cabeludos! O Roberto ficou uma fera e queria brigar com eles. Eu o convenci a não partir para a briga porque iríamos apanhar. Imagine enfrentar cerca de 40 trabalhadores tipo peão de obra!

* Que história com Roberto você poderia recordar?
"JA" – Lembro-me da história do amplificador que Roberto me pediu emprestado porque tinha uma excursão e o dele estava quebrado. Um dia o Roberto me disse: “Agrião, perdi o seu amplificador”. Fiquei triste porque eu o tinha comprado com o dinheiro que havia recebido do meu antigo emprego. Mas algum tempo depois Roberto achou o amplificador e me devolveu todo reformado, muito bonito. Só que quando fui ligar não funcionava mais. Até hoje Roberto conta essa história e a gente ri muito.

* O que vocês conversavam quando havia mais contato?
"JA" – A gente conversava sobre tudo. Uma vez nós fomos com a Wanderléa assistir a um filme dos Beatles, em São Paulo, acho que “Help”. Como a Jovem Guarda já era um grande sucesso e nós muito conhecidos, entramos depois do início do filme e saímos antes do final, com muito cuidado para não sermos reconhecidos. Imagine só Roberto,Wanderléa e Jerry Adriani assistindo a um filme dos Beatles, num cinema nos anos 60! Era acontecimento histórico!

* Como você analisa a Jovem Guarda?
"JA" – Ela marcou uma série de mudanças que estavam acontecendo no mundo. Ela veio derrubar uma série de coisas que estavam estagnadas. O rock, no Brasil, surgiu no final da década de 50, com Tony Campello, Demétrius, Sérgio Murilo, e depois deu uma ligeira parada, até que apareceu a Jovem Guarda. Foi uma época em que a popularidade do Elvis Presley também caiu um pouco. No início da década de 60 sentíamos no ar que alguma coisa iria aparecer e vieram os Beatles lá fora e no Brasil a turma do yê, yê, yê, que mais tarde, com o programa da TV Record virou a Jovem Guarda. Com ela veio a necessidade de mudanças de atitudes, quebra de convencionalismo, e o jovem passou a ter mais liberdade.

* Você acha que a mídia aproveitou o potencial da Jovem Guarda?
"JA" – No início nenhuma agência se interessou em trabalhar em cima da Jovem Guarda. Depois, como sucesso já estourado, algumas agências se interessaram em administrar a carreira do Roberto e do Erasmo. Quando os grandes nomes da Jovem Guarda estouraram não havia nenhum trabalho de mídia.

* Pode-se dizer que a Jovem Guarda foi uma corrente única?
"JA" – Podemos dizer que havia algumas correntes, tanto que eu tinha um programa na TV Excelsior, chamado “Excelsior a go-go”. Sempre havia alguma competição. Eu cantei muito pouco no programa do Roberto mas grande parte do elenco da Jovem Guarda se apresentou no meu programa, como Prinni Lorez, Os Jordans, Os Incríveis, para citar apenas alguns. O “Jovem Guarda” terminou em janeiro de 68 e este foi o ano do auge do meu programa.

* E como ficou a cabeça de vocês com toda a fama conseguida?
"JA" – Pirou, mas não saímos por aí fazendo besteira. Era um assédio muito grande, onde íamos havia uma quantidade enorme de fãs nos esperando. Na portaria do edifício, num bar, num restaurante, onde estivéssemos, imediatamente o local era invadido por um bando de fãs. Quase sempre tínhamos que sair com a escolta da polícia. Isso tudo mexeu muito com nossas cabeças.

* Havia problemas durante os shows?
"JA" – Eu praticamente não conseguia fazer o roteiro dos shows. Só elaborava até a quarta música, porque sabia que ia parar a apresentação por absoluta falta de segurança. Imagino que com Roberto essas coisas também aconteciam. Infelizmente não temos essas coisa filmadas porque não havia a tecnologia avençada de hoje e muita coisa se perdeu com o tempo.

* Você e Roberto chegaram a fazer muitos shows juntos?
"JA" – Lembro que fiz uma excursão logo no início da Jovem Guarda com o Roberto, a Wanderléa e o Renato e Seus Blue Caps. Uma vez ou outra nos apresentávamos juntos. Uma curiosidade é que um dia fui a Porto Alegre para uma apresentação e todo o pessoal da Jovem Guarda estava no aeroporto. Imaginei que íamos nos apresentar juntos, mas depois soube que eu ia fazer um show sozinho no mesmo horário. Logo pensei que seria um caso inédito de um show inteiramente vazio mas o local estava lotado. Se o meu show estava lotado, imagine o da Jovem Guarda! Fora isso não me lembro de muitos shows juntos. Uma vez fizemos um festival na Bahia, da “Laranja Tour”, mas cada um se apresentava num dia. Foi uma das coisas mais bonitas que vi, uma das maiores histerias coletivas que presenciei. As ambulâncias não paravam de levar gente para o hospital.

* Essa histeria coletiva chegou a dar medo?
"JA" – Dava. Tinha vezes que me assustava. O meu medo maior não era comigo mas com a integridade física do público. Era uma massa enorme, havia o risco de as pessoas serem pisoteadas. Lembro-me que na inauguração do Teatro Nacional, em Brasília, eu só pude cantar três músicas. A polícia chegou e interditou o teatro por falta de segurança. E havia os tais fãs vips, tipo a filha do dono do espaço, a sogra do gerente do hotel, a sobrinha da camareira, era um tal de invadirem o camarim, os quartos dos hotéis, que na havia como escapar.

* Como vocês escapavam dessas situações?
"JA" – Às vezes dávamos voltas de carro até usávamos sócias. Uma vez fui à CBS em Recife e tive que sair pelo telhado pois não havia como sair pela portaria. Subi até o telhado e passei de um edifício para o outro. A Jovem Guarda foi um movimento maravilhoso que dá saudades.

* Você conseguiria descrever a Jovem Guarda?
"JA" – Infelizmente não dá para descrever. Tudo que a gente fala ainda é pouco para o que ocorria. Ela tomou conta de todas as classes sociais. Claro que tivemos brigas com o pessoal da música popular brasileira e da bossa nova.

* Quantas músicas do Roberto Carlos você chegou a gravar?
"JA" – Por incrível que pareça só gravei músicas do Roberto Carlos naquela coleção lançada na comemoração dos 30 anos da Jovem Guarda. No auge do movimento não gravei nenhuma música dele, embora tenha pedido várias vezes uma música, acabei desistindo.

* Dá para imaginar o sucesso da Jovem Guarda sem Roberto Carlos?
"JA" – Eu acho que a Jovem Guarda foi um conjunto de talentos mas reconheço que Roberto Carlos foi o grande catalizador desse movimento; sem ele a Jovem Guarda não seria a mesma coisa. Ele catalizou a coisa da rebeldia e por ser um grande compositor, junto com o Erasmo, detém mais de 60 a 70 por cento dos sucessos da Jovem Guarda. Sem o Roberto poderia haver o movimento, mas com certeza não teria a força que teve.

* Fale um pouco sobre a importância da Jovem Guarda na mudança do comportamento da pessoas.
"JA" – Sem dúvida que ela modificou o comportamento de todo mundo. Mesmo que muita gente não queira admitir, a Jovem Guarda ainda influencia. Talvez por falta de conhecimento, algumas pessoas discriminem determinadas coisas, mas você pode ver o número de músicas daquela época que são regravadas pela geração atual. Infelizmente não encontramos arquivo à altura do que foi a Jovem Guarda. É difícil encontrar bons livros que falam do que ela representou. Acho que todos nós devemos escrever e contar nossas histórias, para que fique um documento daquela época. E ninguém melhor do que nós que vivemos, não é? A Jovem Guarda modificou a cara do jovem do Brasil.

* Você se lembra de como foi o início do Roberto Carlos?
"JA" – O grande nome do rock naquela época era o Sérgio Murilo e quando ele deixou a CBS ficou uma lacuna para ser preenchida. Foi aí que o Evandro Ribeiro lançou Roberto Carlos com o “Louco por você”. Em seguida veio o “Splish, splash” e depois o “É proibido fumar”. Aí Roberto Carlos estourou. Depois nós aparecemos. Foi nessa época que gravei o meu primeiro disco.

* Por que a Jovem Guarda nunca teve o apoio da crítica?
"JA" – Principalmente porque ela era um movimento apolítico, ao contrário da bossa nova. Quem percebeu sua importância para a música foi o pessoal da Tropicália. Eles começaram a gravar músicas do Roberto Carlos e entenderam o objetivo da Jovem Guarda era agradar e distrair o público, com o Milton Nascimento fala, ela ia aonde o povo estava.

* Para você qual a grande música que marcou a Jovem Guarda?
"JA" – Várias. Do Roberto Carlos “Quero que vá tudo pro inferno”, “Mexerico da Candinha”, “Splish, splash”. De outros cantores também muitas: “Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones”, “Coração de papel”, “Prova de fogo”, “Para o casamento”, “Meu bem”, “Bom rapaz”, “Festa de arromba”. Eu fiz sucesso com “Querida” e “Um grande amor”. Enfim, há uma infinidade de músicas que ficaram como clássicos da Jovem Guarda.

* Como você recebeu a saída do Roberto Carlos do programa “Jovem Guarda”?
"JA" – Quando o programa acabou cada um teve que seguir com suas próprias pernas, e Roberto soube administrar muito bem sua carreira. Eu acho que quando ele sentiu que o “Jovem Guarda” havia atingido o auge ele resolveu sair para não cair junto com o programa. Todo programa tem uma linha de ascendência e de decadência, e quando o “Jovem Guarda” chegou ao topo penso que ele foi muito inteligente.

* E o lado romântico do Roberto Carlos?
"JA" – Como ele é um belíssimo compositor, teve uma fase maravilhosa depois da Jovem Guarda. Para mim foi aí que ele se saiu melhor do que todos os outros artistas da Jovem Guarda. Se havia alguma dúvida sobre Roberto Carlos, depois da Jovem Guarda não houve mais nenhuma dúvida quanto à sua liderança. Roberto soube conduzir sua carreira de uma forma brilhante, com composições magníficas, como “Detalhes”, aumentando mais e mais a distância entre ele e todo o pessoal.

* E vocês, como ficaram nessa época com o fim do programa?
"JA" – Posso dizer que foi a pior fase de nossas vidas. Quando acabou a fase da Jovem Guarda começou a haver um certo preconceito e só o Roberto conseguia se sair bem, com músicas inteligentes e inspiradas. Os outros ficaram sem saber o que fazer e viviam apenas pelo nome. Não fizemos nada de muito importante. Eu só consegui me encontrar no início da década de 80. O Roberto não perdeu nada.

* Fale um pouco do Roberto Carlos compositor.
"JA" – Ele é um grande compositor. Mesmo que os críticos não aceitam, eu o considero o compositor do século no Brasil. É um dos mais gravados e tem músicas muito bonitas. Fala de coisas simples. É difícil fazer o simples, a mensagem popular e bonita.

* Se você fosse gravar um disco de músicas do Roberto Carlos, qual seria o repertório?
"JA" – Roberto tem um repertório enorme e eu poderia fazer uma festa com suas músicas. Quem é bom já nasce feito! Talvez eu escolhesse o repertório mais roqueiro. Seria um projeto muito legal. Já cheguei a pensar nisso mas não levei adiante. Quem sabe um dia?

* E a importância do Erasmo na parceria com Roberto Carlos?
"JA" – Ele é o parceiro ideal para Roberto, é a segunda metade dos sucessos. Os dois se completam muito bem. Para haver o dia tem que ter a noite, e é assim que encaro Roberto e Erasmo. É a mistura dos dois do lado roqueiro do Erasmo com o lado comedido e romântico do Roberto que origina o grande sucesso da dupla.

* Como você define a Jovem Guarda?
"JA" – Não há definição para ela. Eu acho que a Jovem Guarda foi uma coisa tão grande, tão bonita, tão inesquecível, que não há como defini-la. Foi um sonho que se tornou realidade e continua muito vivo nas nossas mentes, na nossa imaginação e nas nossas vidas. As recordações estão sempre presentes pois ela marcou a vida de todos nós. Um dia eu disse ao Erasmo que nós estamos unidos por um fio invisível, que se chama Jovem Guarda, inesquecível para todos os que viveram esse movimento que fez e que marcou a história da música popular brasileira.

* Como você define Roberto Carlos?
"JA" – Um fenômeno, e fenômenos não se explicam. Ele é um iluminado, uma pessoa que tem uma força espiritual muito grande, um talento enorme. É um grande profissional e um grande amigo. Todos nós temos o maior respeito pelo Roberto até hoje, e certamente para sempre. Realmente ele é um dos grandes nomes do século da nossa música. Ele já tem seu nome marcado na história.


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