JOANNA
entrevista concedida a Carlos Eduardo F.Bittencourt para o
Grupo Um Milhão de Amigos

20.06.2002




“Roberto Carlos me emociona muito, mais ainda
porque cantar é semear alguma coisa boa no coração das pessoas,
é deixar o peso de sua verdade com elas.
Roberto tem o cantar como ofício divinatório, o canto é a sua verdade...”
Essas palavras de uma das maiores cantoras da música brasileira, Joanna,
foram publicadas na revista-programa do show “Emoções”.
Entrevistamos Joanna, que quando começou sua carreira
chegou a ser comparada ao Rei Roberto Carlos.

* Como foi o início de sua carreira?
"J" – Durante oito anos eu cantei em várias casas noturnas onde havia música ao vivo, depois participei de festivais e sempre tive uma intimidade com o mundo da música, mas a oportunidade de gravar só apareceu em 1979, num festival em Muriaé, interior de Minas Gerais, onde eu fui julgada por uma comissão. Nessa comissão estava o produtor musical Durval Ferreira, e foi através dele que consegui a oportunidade de gravar na RCA, hoje BMG, onde estou há vinte e dois anos.

* Qual a influência das músicas de Roberto Carlos em sua infância e em sua carreira?
"J" – Roberto Carlos influenciou boa parte dos cantores que gostam de música romântica. Em minha casa sempre se escutava Roberto Carlos. Eu gosto muito do jeito como ele e o Erasmo compõem, e quando eu cantava em bailes as músicas do Roberto Carlos já faziam parte do meu repertório. No meu primeiro disco, em 1979, gravei “Seu corpo”, só com voz e piano. Roberto é um pedaço da história da música popular brasileira, ele fez parte de um movimento muito importante na MPB, a Jovem Guarda. Ele é um dos grandes representantes da nossa música no Exterior, conhecido em quase todo o mundo seja cantando em português ou em espanhol. Para mim é um prazer gravar suas músicas e é sempre emocionante vê-lo. Tenho um especial carinho por todo o seu trabalho e por sua importância na música brasileira.

* A Jovem Guarda marcou sua vida de alguma forma?
"J" – Eu era muito pequena na época, lembro-me pouco da Jovem Guarda. As recordações que tenho são as dos programas gravados, mas a Jovem Guarda faz parte do nosso dia-a-dia através de vídeos e gravações. Embora a Jovem Guarda não tenha influenciado diretamente a minha vida, de alguma forma influenciou por sua importância na MPB. Ninguém pode negar o valor histórico da Jovem Guarda na música brasileira. Mesmo não tendo influenciado diretamente na minha vida porque eu era muito pequena, mesmo assim, como fã, conheço bem as músicas gravadas pelo Roberto naquela época.

* No início de sua carreira você foi chamada pela imprensa de Roberto Carlos de saia. Como você interpretou essa comparação?
"J" – Ser comparada ao Rei é algo fantástico. Pode ter sido uma colocação um pouco infeliz de quem a fez e publicou, mas não acredito que tenha sido de forma pejorativa. Eu acho que o objetivo era comparar uma carreira iniciante com o Roberto Carlos por causa de um estilo muito parecido, cem por cento romântico. Não acho que essa comparação tenha sido depreciativa. Ser comparada ao Rei é uma hora.

* Alguns críticos consideram brega cantar o romantismo. Como você reage a essa história?
"J" – O que é brega e o que é chique? O que importa é o gosto popular. Eu acho um desrespeito essa classificação só por causa do gosto de cada um e o que esses críticos fazem é uma colocação pessoal. É o mesmo quando se fala “não vi, não escutei e não gostei”. Existe uma diferença muito grande em você não gostar de um determinado trabalho e ele ser bom ou ruim. Gosto é uma coisa pessoal, totalmente subjetiva. Alguns críticos são tendenciosos em seus trabalhos e colocam nas matérias suas opiniões pessoais sem analisar o trabalho de forma objetiva. Já disseram isso sobre o meu trabalho e sobre o trabalho de muitas pessoas. O próprio Roberto, com certeza, já deve ter sofrido esse preconceito, mas isso não me afeta porque o mais importante é fazer um trabalho verdadeiro. A música não tem fronteira e considero esse tipo de colocação um preconceito idiota.

* Fale um pouco sobre a música “Momentos”. É verdade que você a fez para o Roberto Carlos gravar?
"J" – Ela foi feita para o Roberto, que chegou a trabalhar nela e quase a gravou, mas não sei porque ele não a lançou em seu disco. Tivemos algumas conversas por telefone, ele estava nos Estados Unidos gravando e me pediu para fazer algumas mudanças. Eu fiquei esperando que “Momentos” fosse lançada no seu LP, só que isso não aconteceu. Eu entendo esse tipo de escolha porque também recebo milhares de composições e acabo deixando de fora várias músicas que gostaria de gravar. Só o fato de o Roberto ter gostado de “Momentos” já foi uma felicidade muito grande. Como ele não gravou eu resolvi lançar no meu segundo disco e foi algo muito especial na minha vida porque com esse disco consegui o meu primeiro meio milhão de cópias vendidas. Essa história sempre me emociona porque o Roberto é um dos grandes ícones da música brasileira e também do meu coração.

* É verdade que quando o Roberto ligou dos Estados Unidos você pensou que fosse trote?
"J" – É verdade. Quando eu atendi de madrugada, e ouvi “Joanna aqui é o Roberto Carlos”, eu pensei que fosse trote. Imagine eu, iniciando a carreira, recebendo uma ligação do Roberto... Mas depois me certifiquei que era realmente e fiquei super emocionada e também muito nervosa porque o fã sempre gosta de seu ídolo, mas é algo distante. Eu nunca havia falado com o Roberto, e naquele dia estava conversando sobre uma canção minha que ele estava gravando. Foi uma emoção imensa.

* Quais as mudanças que ele pediu para você fazer na música?
"J" – Eu cheguei a fazer algumas mudanças, inclusive essa conversa que tivemos por telefone foi para isso. Ele me pediu que mudasse algumas palavras e algumas frases. Isso é natural e eu também faço esse tipo de pedido em certas músicas que recebo. Essa liberdade entre o cantor e o compositor é normal. Agora não me lembro bem quais foram às mudanças que ele pediu, pois como o Roberto não gravou “Momentos” eu acabei gravando a letra original.

* Como “Momentos” chegou às mãos de Roberto Carlos?
"J" – Não me lembro quem a entregou. Acho que foi o meu produtor na época.

* Você já travou várias músicas do Roberto Carlos: “Seu corpo”, “Costumes”, “À distância...”, “Não quero ver você triste”, “De tanto amor”, “Agora eu sei” e “Nem mesmo você”. Fale um pouco de cada uma.
"J" – “Seu corpo” é uma das musicas do Roberto e Erasmo de que mais gosto. Ela fala do amor de uma forma mais delicada. Sempre fui apaixonada por essa música, dizia para mim mesmo que quando eu gravasse meu primeiro disco “Seu corpo” entraria de qualquer maneira e isso aconteceu.
Quando gravei “Costumes”, eu estava me separando de uma pessoa de que eu gostava muito e nada mais descritivo do que “Costumes” para falar de separação.
“À distância...” eu sempre cantava em bailes muito antes de gravar meu primeiro disco, portanto é uma canção que já fazia parte da minha vida.
Roberto gravou “Agora eu sei” no início dos anos 70 mas a letra é atual e eu queria muito regravar uma música da Helena dos Santos. Acabei regravando duas: “Agora eu sei” e “Nem mesmo você”. Considero essas duas gravações um resgate, para mostrar que temos compositores maravilhosos na música brasileira que estão um pouco esquecidos. Cada música do Roberto que gravei são canções que fizeram parte da minha vida.

* Você está selecionando músicas para seu novo CD. Terá alguma do Roberto Carlos?
"J" – Eu estou querendo fazer um disco sacro e gostaria muito de gravar “Nossa Senhora”. Até já pedi autorização para a editora. De todas as músicas religiosas do Roberto Carlos, além de “Jesus Cristo” eu acho “Nossa Senhora” uma grande prece, muito bonita. Ele me emociona muito porque sou apaixonada e tenho um carinho todo especial pela Virgem Maria. Sempre busco essa música para colocar no meu repertório. No meu último disco eu gravei “A Padroeira”. No ano passado eu fiz um show em Aparecida do Norte e cantei “Nossa Senhora”, acompanhada de um coro de quase noventa mil pessoas. Foi um momento muito bonito.

* Depois de “Momentos”, você nunca mais fez músicas para o Roberto Carlos?
"J" – Mandei algumas canções, uma delas foi “Metade de nós”, que Roberto não gravou e eu também acabei gravando. Depois parei de mandar porque comecei a trabalhar muito o meu lado de cantora e o lado de compositora ficou meio adormecido. Esse ano eu devo mandar umas três músicas para o Roberto na esperança de que ele grave alguma. São músicas que fiz especialmente para ele, algumas em parceria com a Isolda, compositora maravilhosa que já teve várias músicas gravadas pelo Roberto Carlos. Caso mereça, espero que ele possa colocar alguma canção no CD. Aliás, a possibilidade de ter uma música gravada pelo Roberto Carlos é um dos grandes sonhos de minha carreira.

* Você já gravou nomes consagrados da música brasileira: Tom Jobim, Milton Nascimento, Chico Buarque, Gonzaguinha, Ivan Lins e outros. Qual a diferença das músicas deles para as do Roberto Carlos?
"J" – Não existe diferença, o Roberto está no mesmo patamar desses grandes compositores, só que cada um tem a sua forma poética de dizer certas coisas, cada um com um enfoque diferente. Roberto fala de uma forma linda dos encontros, das separações, dos desapegos, como os outros também falam de uma forma maravilhosa. Em “Olhos nos olhos”, Chico Buarque fala do amor de uma forma poética diferente de como o Roberto Carlos falaria, mas no fundo eles querem dizer a mesma coisa.

* Tem alguma música do Roberto Carlos que tenha marcado a sua vida?
"J" – Eu gosto muito de “Fera ferida”. É uma música que serve para qualquer tipo de situação. Toda pessoa quer encontrar sua “cara metade” para o resto da vida, mas temos que passar por ciclos até chegar à pessoa ideal. Eu me lembro que vivi bem essa situação na época em que “Fera ferida” estava no auge do sucesso.

* Você já assistiu a vários especiais do Roberto Carlos, e participou do Especial de 1982, quando cantou “Detalhes”. Você se lembra dessa participação?
"J" – Claro que me lembro, pois foi um dos momentos inesquecíveis e emocionantes da minha vida. Estar perto de quem a gente ama, gosta e admira, e acima de tudo de um mito da música brasileira, e eu em início da carreira, foi algo gratificante. Eu me recordo que conversamos um pouco e cantei uma das músicas de que ele mais gosta. Talvez “Detalhes” seja a música mais bonita que Roberto fez até hoje. Foi uma honra e fiquei muito emocionada, muito feliz mesmo. Foi um grande presente. Fiquei um pouco nervosa. Foi uma sensação de êxtase estar ali.

* Na sua opinião o que “Detalhes” tem de especial para ser até hoje considerada por quase todos os fãs e também cantores como a música mais bonita de Roberto Carlos?
"J" – A simplicidade. Tudo o que é feito com verdade e simplicidade atinge em cheio o coração do povo. Roberto tem essa facilidade de lidar com as palavras e a poesia de forma que essa poesia vai de encontro ao coração do brasileiro. “Detalhes” e tudo isso. Acho que não há quem não tenha passado pela situação daquela letra. É uma música que fala de um tema comum a muitas pessoas, mas se não fosse poetizada da forma como Roberto e Erasmo fizeram talvez ela não tivesse toda essa importância. A simplicidade e a objetividade da letra fizeram de “Detalhes” esse sucesso todo e que certamente se eternizará.

* Vários cantores importantes da música brasileira já gravaram um disco com músicas de Roberto Carlos.Você nunca teve esse ideia ou vontade?
"J" – Sou muito cobrada para realizar esse projeto, principalmente pelo meu público. Posso dizer que sou cobrada nesse sentido quase que diariamente. Agora, isso depende de uma série acordos entre as gravadoras e de autorizações de editoras. Seria um imenso prazer fazer um disco de um ídolo. O difícil seria escolher as músicas porque Roberto tem um repertório maravilhoso.

* Você se lembra quando foi a primeira vez que esteve frente-a-frente com Roberto Carlos?
"J" – Claro que me lembro. A primeira vez a gente nunca se esquece. Foi uma grande emoção. Foi no Canecão e senti um frio na barriga, um frisson. O meu produtor conseguiu o encontro através da Ivone Kassu, assessora de imprensa do Roberto. Eu já era cantora, mas o encontro foi no início da minha carreira. Foi algo lindo. É tão bom olhar de perto alguém que você imagina que seja de uma certa forma, e ele se mostrar exatamente da forma como você imaginava. Digo isso porque às vezes nos decepcionamos com certas pessoas. Mas o Roberto não, ele é uma pessoa de uma simpatia tão grande, de um carisma, de uma empatia, de um amor transparente que fique super impressionada. É por isso que a cada dia gostamos mais do Roberto Carlos.

* Você acha que as músicas do Roberto Carlos mostram como ele é como pessoa?
"J" – Eu acho que isso acontece no trabalho de todos nós e certamente no do Roberto. Roberto Carlos já deve ter sido protagonista de várias emoções e situações que canta. A gente percebe que quando Roberto ama, ele se entrega por inteiro e transmite em suas canções os grandes amores que teve. Se outras canções não foram feitas por emoções vividas, com certeza são retratos de coisas que ele percebeu na vida das pessoas. Toda a história do Roberto e Erasmo foi feita em cima de verdades, e eu acho que quando nós plantamos uma semente em cima da verdade ela se cria para sempre.

* Quem te emociona mais, o cantor ou o compositor Roberto Carlos?
"J" – Roberto e Erasmo são os únicos compositores que conseguem fazer a descrição de um momento de uma forma tão definitiva que acho difícil encontrar outros que façam isso de uma forma tão bonita. Mas o cantor e o compositor Roberto Carlos caminham juntos, não dá para separar. Ele tem um timbre de voz todo pessoal, mas o seu lado de compositor também me emociona bastante. Não existe nenhuma pessoa no Brasil que cante o amor de uma forma tão intensa como o Roberto. Eu até fico emocionada ao vê-lo cantando e interpretando suas próprias canções.

* Como você define o Roberto Carlos?
"J" – Roberto, um mensageiro do amor, um compositor e cantor que faz parte da vida de quase todos os brasileiros, pois suas canções e suas poesias entram em nossas casas sem pedir licença. Ele tem essa grande facilidade poética de dizer as coisas com uma transparência muito grande e isso faz com que seja quase o único nesse universo de compositores românticos brasileiros. Como na minha opinião nada acontece por acaso, acho que Roberto merece tudo o que tem, pelo fato de fazer o seu trabalho com amor e dedicação, o que contribui para que ele seja o grande ícone popular romântico brasileiro de todos os tempos.

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