Entrevistamos o músico Lafayette, famoso tecladista que durante anos participou das gravações dos discos de Roberto Carlos. Ele nos conta como era a convivência com Roberto nos estúdios.
* Como você começou na música? "L" – Eu comecei na música com quatro anos de idade, tocando piano, mas profissionalmente iniciei em 1965, gravando com Erasmo Carlos. Foi a primeira vez que entrei num estúdio de gravação. * Como você conheceu Erasmo Carlos? "L" – Quase todos os cantores que ficaram famosos durante a Jovem Guarda moravam na zona norte da cidade. Eu e Erasmo morávamos na Tijuca, em ruas muito próximas, e a Wanderléa em Vila Isabel. Costumávamos nos reunir no cinema Madri. Roberto não morava na Tijuca mas estava sempre com a gente. * E como foi esse início com o Erasmo? "L" – Eu já tocava piano e um dia o Erasmo me viu tocando, gostou e resolveu me chamar para tocar no seu disco pela gravadora RGE. Quando chegamos ao estúdio tinha um órgão abandonado e eu comecei a tirar alguns sons. Então o Erasmo teve a ideia de trocar o piano pelo órgão. Posso disser que no Brasil fui o primeiro a usar o órgão em música popular; naquela época só se tocava órgão em música de igreja. Os arranjos ficaram bons, Roberto gostou do resultado e acabou me convidando para gravar com ele. * Quando foi isso? "L" – A primeira vez que gravei com Roberto foi em 1965, no disco “Roberto Carlos canta para a juventude”. Acho que esse foi o meu primeiro trabalho com ele mas sou meio esquecido em relação a datas. * Você participava de todas as faixas? "L" – Sempre, tudo que tinha teclado, piano, órgão, cravo. Era eu quem gravava com ele. Trabalhei com Roberto de 65 até o início de 70, quando ele resolveu gravar nos Estados Unidos. * Você chegou a participar de shows do Roberto Carlos? "L" – Quando montou o seu primeiro conjunto, o RC-3, ele me chamou, mas não pude aceitar o convite. Eu já tinha assinado com a CBS para participar das gravações. Naquela época, além do Roberto Carlos eu também gravava com quase todos os artistas da gravadora, inclusive os outros da Jovem Guarda. Por isso que não fiz parte do RC-3. Eu teria que abandonar o compromisso com a CBS. * Como era o clima das gravações? "L" – Muito bom; parecia a “Festa de arromba” que o Erasmo fala na música. Quando Roberto gravava ia todo mundo para a CBS – Golden Boys, Wanderléa, Erasmo... – e as gravações viravam uma festa. Eles nos ajudavam muito com palpites e opiniões. * Por falar em “Festa de arromba”, por que você não foi citado na música? "L" – Realmente muita gente não entende isso, e nem eu, pois como conhecia todos eles e já estava até gravando com Roberto e com Erasmo, era para eu fazer parte da música. As pessoas acharam que foi uma injustiça mas eu não fiquei muito aborrecido com isso, pois, como o meu nome, muitos outros também foram esquecidos. * Roberto sempre foi muito cuidadoso com as gravações como é até hoje? "L" – Roberto sempre colocou nos discos aquilo que queria, mas quem tinha mais influência sobre os seus discos era o Evandro Ribeiro, então presidente da CBS, que produziu todos os seus discos, desde 62 até 83. Mais tarde Mauro Motta, que passou a produzir seus discos, também passou a exercer grande influência. Naquela época também tinha o Othon Russo, que trabalhava na CBS e colaborava muito na produção. Mas a palavra final era sempre a do seu Evandro. * Evandro Ribeiro sempre teve, realmente, muita influência na carreira do Roberto Carlos? "L" – Muita, não só na do Roberto como na de todos os artistas da Jovem Guarda, já que a maioria era contratada pela CBS. Ele também teve influência enorme na minha carreira. Ele fazia tudo pela gravadora, cuidava de tudo, vivia 24 horas para o trabalho. Com certeza foi a pessoa de maior influência na minha carreira, como também no início da carreira do Roberto Carlos. * Quanto tempo Roberto demorava para gravar um disco? "L" – Acho que o mesmo tempo que ele demora hoje, cerca de três a quatro meses. Para se ter uma ideia começávamos os trabalhos às sete da noite e passávamos toda a madrugada trabalhando, só terminando no dia seguinte, por volta das sete da manhã. Havia dias que gastávamos esse tempo todo gravando só uma música; fazíamos vários arranjos para cada música e Roberto ouvia várias vezes os arranjos para escolher o que mais lhe agradava. * Você disse que não pode aceitar o convite para fazer parte do RC-3, mas nunca chegou a participar de um show com Roberto? "L" – Cheguei a participar só uma vez mas não me lembro onde nem quando foi. Nesse dia ficamos o dia todo no estúdio e não dava tempo de ir em casa. Então fui para a casa dele, na Rua Gomes Freire. Sua mãe fez um jantar para a gente e depois fomos para o show. O que me lembro é que era uma casa pequena e que foi logo no início da sua carreira. * Além de você, quem acompanhava Roberto nas gravações? L – "L" – e com o Renato e Seus Blue Caps. Um dos meus músicos, o Zé Carlos, chegou a fazer parte do RC-9 no final dos anos 80 e início dos anos 90. * As exigências e o perfeccionismo do Roberto Carlos nas gravações já vêm daquela época? "L" – Ele sempre foi muito exigente e sempre procuramos fazer o melhor possível em seus discos. As manias são marcas registradas do Roberto. * Você acompanhava o processo de composição do Roberto Carlos, de algumas mudanças nas letras de outros compositores? "L" – Eu não me metia muito nessa parte pois nunca fui ligado em composição. Sempre fui pelo lado musical. Se ele alterava, e ainda altera, algumas letras de outros compositores, está certo, pois ele sempre tenta fazer o melhor. * Você se lembra de alguma curiosidade, de alguma música que tenha marcado muito? "L" – A música “Não quero ver você triste” me marcou muito, por causa do meu teclado na gravação. Quando fomos gravar, Roberto não estava com a música pronta, faltava uma parte, mas como o disco estava bastante atrasado nós tínhamos que gravar naquele dia. Então eu disse para o Roberto gravar a parte que estava pronta e que na hora eu inventaria alguma nota para completar a música. E falei, ainda, que, se desse certo, a gente deixaria assim mesmo. E a música está aí, fazendo sucesso até hoje. Metade dessa música foi feita dentro do estúdio, na hora da gravação. Muita gente até achava que meu nome tinha que entrar como um dos compositores, mas nunca liguei para isso; o meu negócio era gravar e cooperar com o disco. * Você se recorda de alguma música que tenha feito um grande sucesso sem que vocês esperassem por isso? "L" – Sempre tem alguma, mas agora não me lembro. São aquelas músicas que ficam lá no final do disco, apenas para completar o número determinado de faixas e, de repente, começam a tocar e a fazer sucesso. * Era fácil para os compositores chegarem até Roberto para mostrar músicas novas? "L" – Eu me lembro que quando Roberto estava gravando o disco de 66 o Luiz Ayrão chegou a dormir na porta da CBS para mostrar a ele a música “Nossa canção”. Roberto recebia muitas músicas e não estava dando muito atenção à música do Luiz Ayrão, que acreditava muito no sucesso de “Nossa canção”. Então o Luiz Ayrão resolveu dormir na porta da CBS para esperar Roberto sair do estúdio. Acho que ele gravou a música mais pela insistência do Luiz Ayrão, mas “Nossa canção” estourou em todas as paradas de sucesso. * Além de “Não quero ver você triste”, que outra música te marcou muito, alguma de que você também tenha participado da gravação? "L" – “Quero que vá tudo pro inferno”, que chegou até a entrar no meu disco naquele mesmo ano. * Como assim? "L" – Logo depois que Roberto lançava o seu disco eu começava a gravar o meu. Eu sempre me reunia com seu Evandro Ribeiro para escolher quais as músicas do Roberto que ficavam bem orquestradas para lançar no meu disco, e uma delas foi “Quero que vá tudo pro interno”, exatamente a música de maior sucesso da minha carreira. * Para você “Quero que vá tudo pro inferno” foi o grande sucesso do início da carreira do Roberto Carlos? "L" – Acho que sim, e essa música tanto marcou a carreira dele como a minha, porque na gravação que fiz com Roberto o órgão é ouvido com destaque. * Quem fazia os arranjos das músicas do Roberto Carlos? "L" – A base era feita muito por mim e pelo Renato Barros, mas os outros integrantes dos conjuntos davam opiniões. O próprio Roberto já tinha ideia do que queria. Os responsáveis pela parte das orquestras eram os maestros Alexandre Gnatalli e Pachequinho. * Quando vocês entravam em estúdio para gravar, as músicas já estavam escolhidas? "L" – Sim, nós já sabíamos quais seriam as músicas do disco. Antes Roberto se reunia com Evandro Ribeiro para fazer a seleção. * Como era o contato de vocês no dia-a-dia? "L" – Era muito pouco, pois desde o início de sua carreira Roberto foi sempre muito ocupado. Eu também tinha as minhas ocupações, mantinha um conjunto e gravava com outros artistas, como o Jerry Adriani, Golden Boys, Márcio Greyck, Wanderléa, Kátia Cilene e muitos outros. * Como você vê Roberto Carlos como pessoa? "L" – Eu só posso falar bem dele, foi o melhor colega que tive em todos os sentidos. Via o Roberto sempre ajudando os outros. Das viagens ao Exterior ele sempre trazia presentes para seus amigos. Eu sempre tive o cuidado de evitar incomodar, mesmo assim, sempre que precisava dele em algumas coisas nunca recebi um “não”. Sua palavra tinha uma importância muito grande, pois Roberto era o “chefe” da Jovem Guarda, tendo por isso, mais prestígio e mais influência. * Você acha que Roberto Carlos estava preparado para o sucesso que conseguiu tão rapidamente? "L" – Acho que sim, pois nunca notei nada diferente nele. Não sei quem orientou sua carreira, deve ter sido o Evandro Ribeiro, mas tudo que Roberto fez foi muito bem feito. Ele sempre cuidou muito bem de sua imagem, tanto é que recusou várias propagandas de bebidas e de cigarros. Acho que ele sempre esteve muito bem preparado para tudo. * Você ficou surpreso com todo o sucesso que ele conquistou? "L" – Sempre surpreende, embora desde o início, na Jovem Guarda, Roberto tinha sido o líder de tudo. Mas chegar onde chegou ninguém imaginava. * Roberto Carlos tocava algum instrumento nas gravações? "L" – Que eu me lembre, não, mas ele costumava tocar violão nos ensaios, para mostrar alguma música, algum ritmo diferente. * Você gravou muitas canções do repertório de Roberto Carlos? "L" – Várias músicas, inclusive agora estou com um CD só músicas dele sendo lançado pela Sony Music, sob o titulo “Lafayette interpreta Roberto Carlos”. * Como você vê as regravações de músicas de Roberto Carlos por outros intérpretes? "L" – Eu acho natural regravarem suas músicas com novos arranjos e interpretações. Claro que isso teria que acontecer. * Quantos discos você gravou em sua carreira? "L" – Comecei bem cedo e hoje tenho cerca de quarenta discos lançados no Brasil, entre LPs e compactos. No Exterior também deve ser uns quarenta discos. * Como você vê a fase atual de Roberto Carlos? "L" – Eu gosto mais do repertório antigo, mas isso é questão de gosto. Não é dizer que seja saudosismo, mas acho que as músicas do Roberto Carlos daquela época são melhores.Acho que hoje ele está muito romântico. * Qual a sua música preferida do repertório de Roberto Carlos? "L" – Tem muita coisa bonita mas uma de que gosto muito e que até entrou em um dos meus discos é “Você não sabe”. Eu só fui conhecer essa música há pouco tempo, apesar de ela ter sido gravada em 83. Das que eu participei fica muito difícil destacar uma porque eu gosto de todas elas. * Dos discos de que participou, por qual você tem um carinho especial? "L" – O disco da trilha sonora do filme “Roberto Carlos em ritmo de aventura”. Na gravação todos estavam muito inspirados. Acho que o som do órgão está perfeito. Ainda hoje os meus fãs e os fãs do Roberto costumam elogiar o disco. * Qual o seu contato hoje com Roberto? "L" – Quando a gente se encontra é sempre uma festa; ele é muito carinhoso. Mas há tempos que não o vejo. Lembro-me que a última vez em que estive com ele foi nos corredores do estúdio da Som Livre. Eu estava participando de um disco do Zé Ramalho e ele estava gravando o seu disco. Tenho muita saudade dele, da sua família, da dona Laura. Ela sempre foi muito carinhosa comigo. * Como você define Roberto Carlos? "L" – Um ótimo compositor, um ótimo cantor, um ótimo amigo. Eu não tenho nada para reclamar do Roberto, falar mal dele. Uma das melhores coisas da minha vida foi tê-lo conhecido. Embora eu tenha gravado antes com o Erasmo Carlos, foi pelas mãos do Roberto que entrei no mundo artístico. Eu não posso separar Roberto Carlos da minha vida artística. "justify"> |