Muitas pessoas podem pensar que Luiz Carlos Ismail é apenas o rapaz do coro de Roberto Carlos. Mas não. Ele é muito mais do que isso. Ismail conhece Roberto há 31 anos e é um dos maiores amigos do cantor. Quando eles se conheceram, Roberto Carlos já tinha gravado algumas músicas, como “João e Maria”, “Fora do Tom” e “Suzie”, mas não havia estourado como o grande cantor e compositor que é. Ismail conheceu Roberto quando este foi morar no mesmo prédio em que ele morava, mas no apartamento um pavimento abaixo.
* Antes de conhecer o Roberto, o que você fazia?
"LCI" – Eu saí do Exército, em 61, e fui ser escriturário. Trabalhei em várias companhias e também estudava. * Nunca pensou em seguir a carreira artística? "LCI" – Não. Eu cantava no bloco da rua, mas nunca pensei seriamente em música. * Foi difícil você, e principalmente, o Roberto chegar onde chegaram? "LCI" – Foi muito difícil, mesmo. Foi ‘pedra sobre pedra’. * No começo da carreira de Roberto Carlos, vocês se viravam em tudo. Como foi esse início? "LCI" – Eu era uma espécie de secretário do Roberto, e a gente corria atrás dos shows e até virei empresário. Por exemplo, uma das poucas vezes que coloquei paletó e gravata foi num show dele, em Deodoro. Eu que resolvi tudo, recebi o dinheiro, coloquei o Roberto numa sala reservada, já que o clube estava lotado. Na época, ele não tinha conjunto. Era só o Roberto no palco com a guitarra. Naquele dia fui empresário, secretário, camareiro, enfim, tudo. * Que história é essa do seu apelido: Barney? "LCI" – Na época do desenho ‘Os Flinstones’ eu imitava o Barney e o Roberto fazia o Fred Flinstones. Por isso fiquei com esse apelido. * Dá saudade daquele tempo? "LCI" – Muita saudade, muita saudade mesmo. Naquele tempo a gente vivia junto, almoçávamos, jantávamos, dividíamos o mesmo apartamento. Hoje só vejo o Roberto no palco. A gente se fala muito pouco. Se bem que o pouco que a gente se fala, no palco, no olhar, já é o bastante. * O que vocês se falam tanto e brincam tanto no palco? "LCI" – Ah! Muita coisa, principalmente porque é lá que a gente se encontra. Passamos dez dias viajando pelo Norte e Nordeste e só vi o Roberto no palco. Não o vi no camarim, nem no hotel, pois às vezes ele ficava em hotel diferente do da banda, e, em alguns lugares, ele chegava de jatinho na hora do show. * A vida do Roberto é uma loucura, então... "LCI" – Sem dúvida. Ele trabalha muito, bicho. O Roberto trabalha ‘pra caramba’. As pessoas pensam que o Roberto Carlos fica em casa, pescando... nada disso. Ele vive trabalhando, graças a Deus. * Ismail, o Roberto gravou uma música sua, em 70, ‘Se eu pudesse voltar no tempo’. Como você a compôs? "LCI" – Essa música tem uma história... não, não vou falar, não. Era uma fase dura por que ele estava passando e eu coloquei a letra numa melodia. * Você fez outras músicas? "LCI" – Pouca gente sabe, mas eu fiz uma música em parceria com o Roberto sobre o dia das mães, que se chama ‘Sou feliz com mamãe’. Essa música foi gravada pelo Erasmo. Fora isso, eu fiz mais algumas músicas, mas ele não gravou. Além disso, eu não sou compositor. Às vezes pinta o tema e a gente desenvolve, mas é difícil. O Roberto Carlos só grava o que ele gosta. Pode ser do maior compositor do mundo, mas se a música não ‘bate’ nele, ele não grava, no que está certo. * Quando você entrou para o coro do Roberto Carlos? "LCI" – Foi em 78, naquele show em que o Roberto cantava com a máscara de palhaço, no Canecão. Eu nunca tinha pisado no palco antes. Já produzi discos na antiga CBS, já tinha feito coro em gravações, mas aquela foi minha primeira experiência de palco. * Além de participar da banda do Roberto, o que mais você faz? "LCI" – Como falei, eu faço vocal em estúdio. Já gravei com Djavan, Fafá de Belém, Egberto Gismonti, Erasmo Carlos, já fiz o Jabuti num disco do ‘Sítio do Pica-Pau Amarelo’ e até gravei com Sarah Vaughan, do que me orgulho muito. * Há um carinho grande da banda com o Roberto, não é verdade? "LCI" – Sem dúvida. É uma banda maravilhosa, que não dá trabalho. Nós aceitamos tudo como tem que ser, às vezes reivindicamos quando dá. Mas ninguém faz bagunça durante as excursões, ninguém bebe, ninguém usa drogas, é uma grande amizade. A gente (eu principalmente) dá muita força ao Roberto no palco. Há dias em que o artista não está legal. É a história: ele é o comandante. E, se ele não estiver bem, o show será fraco. Nesta temporada que se encerrou no Canecão, ele teve que cancelar dois shows por causa de uma gripe e, quando voltou, nos dois dias seguintes, ele não estava cem por cento. Mas por causa de compromisso com a casa, o show teve que continuar. Mas o Roberto é super profissional. Se ele não estiver 75 por cento legal, não adianta que não vai ter show. Afinal ele é muito cobrado por isso. * Ismail, aquela história toda do início da carreira de que vocês eram muito namoradores e que até tinham que sair correndo dos shows por causa de brigas com os garotos é folclore ou é verdade? "LCI" – Ah! Tinha muitas garotinhas sim. A gente gostava e ainda gosta muito. Várias vezes tínhamos que entrar na briga. É aquela coisa: na época, homem de cabelo comprido era chamado de ‘bicha’. Havia muita briga, e a gente encarava. Ninguém levava desaforo para casa. * Você gosta mais das apresentações em ginásios ou em casas de shows, tipo Canecão? "LCI" – São duas emoções diferentes. No Canecão é uma platéia sofisticada, em termos, pois há dias em que a platéia está popularíssima. Já nos ginásios a reação do público é mais vibrante, apesar de não ser um show tão produzido. Só não gosto de shows em estádios de futebol. * Você acha o Roberto Carlos mais querido aqui ou no Exterior? "LCI" – Eu não vejo diferença. Aqui no Brasil não é aquela loucura que era na Jovem Guarda. Hoje em dia as pessoas vão ver o show dele mais para curtir ou por curiosidade. Antigamente, sim, é que as fãs queriam arrancar os pedaços das roupas, corriam atrás. No Exterior ainda pinta isso, talvez pelo fato de ele se apresentar menos lá do que aqui. * Ismail, alguma fã já tentou chegar ao Roberto através de você? "LCI" – Várias vezes e isso acontece sempre. Mas eu sei como me sair, sempre soube. Afinal são 31 anos que nos conhecemos e isso vem desde o início. * As músicas do Roberto são muito tocadas em motéis. Alguma vez já aconteceu de você estar lá com uma garota e o Roberto começar a cantar no rádio? E qual foi a sua reação? "LCI" – A primeira reação é me queixar: até aqui esse chato me persegue; eu não agüento mais. Mas eu deixo o rádio tocar porque gosto muito das músicas dele, principalmente aquelas como ‘Proposta’ e ‘Café da manhã’, que são as mais tocadas em motéis. É óbvio que há também músicas do Roberto Carlos de que não gosto, mas são muito poucas. Eu acho até legal ficar lá no motel, fazendo aquelas coisas, ouvindo o Roberto. * As brincadeiras que vocês fazem no palco são espontâneas? "LCI" – Não tem nada combinado. Às vezes quando a gente sente que alguma coisa deu certo, que vai pegar, então combinamos de continuar fazendo. Em ‘Símbolo Sexual’, por exemplo, há uma parte em que inventamos um dia uma briguinha para saber quem ia ficar com as meninas do coro e a brincadeira acabou pegando. * Ismail, é verdade que você tem 61 anos, como o Roberto fala no palco? "LCI" – É uma brincadeira nossa, porque ele me chama de velho e eu o chamo de velhinho. Por isso é meu velho para cá, meu velho para lá. Como eu não posso ocupar o microfone dele para falar, ele fica me encarnando com a estória dos 61. * É verdade que o Roberto adora gelatina? "LCI" – Ele é capaz de devorar uma tigela inteira de gelatina. Na época em que namorava a Nice, quando voltava para casa, eu já estava dormindo. Então Roberto me acordava, pois sabia que eu tinha o sono leve, e me convidava para fazer piquenique na cozinha. Era ele comendo gelatina e eu tomando sorvete. Isso tudo lá pelas 4, 5 horas da manhã. * Você acha o Roberto Carlos muito transparente nos discos? "LCI" – Muito, muito mesmo, inclusive nas composições. O Roberto passa nas letras o que está vivendo. Um dos momentos mais difíceis da carreira dele foi aquele show do palhaço. As pessoas não imaginam a pedreira que foi. * Você sente o Roberto Carlos, no palco, como uma pessoa iluminada? "LCI" – Sinto bastante. Do momento em que ele começa a rezar, no camarim, em diante, ele é uma outra pessoa. * Você consegue ver o seu amigo no palco ou o Roberto Carlos nos shows é uma pessoa diferente, uma espécie de ídolo? "LCI" – Não, eu separo as coisas. O Roberto no palco é um artista, uma pessoa iluminada, mas fora do palco é uma pessoa comum para mim. Não sei se isso é por causa dos anos de convivência. Ele conta piadas, é brincalhão, gozador. É óbvio que no palco ele muda, como eu também. Lá em cima eu sou um artista e fora dele, um moleque. * Como é a convivência entre vocês da banda? "LCI" – A melhor possível. É claro que tem os grupos, sempre tem um que é mais chegado a um outro, principalmente por dividir os quartos nos excursões. Eu costumo sair muito com o Dinorir, meu companheiro de quarto, mas isso não quer dizer que eu não me dou com os outros. Muito pelo contrário. É apenas convivência, mas somos muito unidos. * O que você acha do show ‘Coração’? "LCI" – Eu acho muito legal. É um show muito bonito e além disso o Roberto canta muitas músicas do passado e até sucessos da Jovem Guarda com o ‘Robertinho Carlinhos’. Pelo visto, este show não terá disco ao vivo; quem viu, viu, quem não viu... já era. * Não te aborrece ser sempre conhecido na rua como o rapaz do coro do Roberto Carlos? "LCI" – Não, muito pelo contrário, eu quero é ficar lá até o fim. Quero ser como Chacrinha, quero morrer bem velhinho no palco fazendo o vocal do Roberto. Eu já fiz discos, já produzi, já gravei, mas só quero ficar lá no meu cantinho com as garotas. Faço isso com muito amor e carinho e gosto do que faço. Eu não aborreço ninguém, pelo contrário, eles é que se aborrecem comigo. Acho legal ser conhecido como o rapaz do coro do Roberto. * De qual música do Roberto Carlos você mais gosta? "LCI" – É ‘Olha’. Gosto muito também de cantar com ele o pout-pourri de ‘Detalhes’ neste show, principalmente na parte de ‘Sentado à beira do caminho’, em que dividimos o vocal. * E ‘Os sete cabeludos’ da música, eles existiram? "LCI" – Os sete cabeludos poderiam ser o RC-7, que na época não eram tão cabeludos assim. Mas durante a gravação da música só éramos quatro: Roberto, eu, Dedé e Erasmo. E nós armamos uma tremenda bagunça no estúdio. Se você ouvir a música, no início, há uma briga que inventamos. * Do que você mais gosta: da fase de Roberto da Jovem Guarda ou da fase romântica? "LCI" – São duas fases distintas. A fase da Jovem Guarda era mais brejeira, não era o Roberto Carlos adulto com a cabeça que tem hoje. Hoje ele compõe letras mais maduras. * Você chegou a participar dos programas da Jovem Guarda? "LCI" – Participei dos programas da Record, da TV Rio e da TV Tupi. * Quando acabou o programa "Jovem Guarda" você não teve medo de que a carreira do Roberto Carlos poderia ter chegado ao fim? "LCI" – Não, nunca. Porque sempre falei para o Roberto: o compositor segura o cantor. Enquanto ele estiver compondo, ele estará aí, eternamente. O dia em que o Roberto parar de compor, ele pára de cantar. * O Roberto está mais exigente hoje do que antes? "LCI" – Muito mais, principalmente em relação aos seus shows. Ele exige muito do som. Não exige da banda, dos músicos, mas em termos de som ele é muito exigente mesmo. Se não estiver legal, ele pára o show, se desculpa e só volta quando o retorno estiver bom. Nesta temporada no Canecão ele fez isso. É a história, se ele não se ouve no retorno, ele tem que começar a berrar e aí acaba o show sem voz. * Como era a relação de sua família com o Roberto Carlos? "LCI" – A melhor possível. Inclusive meus pais, quando eram vivos, sempre trataram o Roberto como um filho. Houve uma época em que ele vivia lá em casa usando o telefone e nunca cobrávamos nada. A minha família adorava o Roberto, sem saber que um dia ele seria esse fenômeno todo. * Você imaginou que o Roberto Carlos ia ser esse mito? "LCI" – Depois de ‘Quero que vá tudo pro inferno’ eu senti que ele ia estourar. Em apenas uma semana, todo o Brasil estava cantando esta música. O engraçado é que na época eu também estava lançando um disco, só que o meu ficou por aí e o dele estourou. Depois de ‘Quero que vá tudo pro inferno’ a vida do Roberto Carlos mudou totalmente. * Você chegou a participar de algumas músicas antigas? "LCI" – De duas. No ‘Parei na contramão’ eu sou o guarda que apita; já em ‘Noite de Terror’ eu faço a voz do Frankstein. * Você foi junto com o Roberto para São Paulo? "LCI" – Não, ele foi antes e eu só fui para lá em 66. Chegamos a dividir o mesmo apartamento, por uns 3 ou 4 anos, até o Roberto se casar. Na época era eu que controlava tudo, o orçamento da casa, já que o Roberto gastava muito. Ele sempre deixava todas as luzes acessas e eu ia apagando. * Roberto Carlos é uma pessoa difícil de se lidar? "LCI" – Muito pelo contrário. Ele tem suas opiniões, mas sempre te ouve. O Roberto é uma pessoa muito dócil. * Você é messiânico e ele católico. Como fica a relação de vocês nesse sentido? "LCI" – Bem, ele mesmo diz que não é católico, mas cristão. Só que não há nenhuma discussão entre nós, porque religião é assunto que nunca discuti com ele. Já levei livros da minha Igreja para ele, e nem sei se ele os leu. Mas religião é assunto de que não falamos. * Qual o momento mais bonito do Roberto no palco com você? "LCI" – É difícil dizer, porque são vários. Fizemos shows em Brasília para 150 mil pessoas, gente que não acaba mais. Cantamos em lugares lindos. Eu fico vendo a entrega do Grammy no Radio City Music Hall, em Nova York, que é o segundo maior teatro do mundo, aquela festa toda, e fico pensando: Poxa, eu já estive nesse palco com o Roberto e com uma platéia lotada. Não dá para falar o mais bonito. Já a temporada mais tensa foi a do palhaço, pela fase que ele estava passando. |