LUIZ DE CARVALHO
entrevista concedida a Carlos Eduardo F.Bittencourt para o
Grupo Um Milhão de Amigos

28.05.1998




O rádio, principal meio de comunicação dos anos 60,
teve especial importância na carreira de Roberto Carlos.
Comunicadores como Jair de Taumaturgo,
Izaac Zaltman, César de Alencar, Paulo Gracindo, José Messias e Luiz de Carvalho
estavam lá divulgando os primeiros discos de Roberto Carlos.
Radialista da Rádio Globo no início dos anos 60, Luiz de Carvalho nos conta
um pouco daquele garoto que mais tarde se tornaria 'o Rei da Juventude'
e que hoje é o 'Rei da Música Brasileira de Todos os Tempos'.

* Como você conheceu Roberto Carlos?
"LC" – Eu conheci na Rádio Globo, logo no início de sua carreira, quando ele foi lançado pelo Othon Russo, então divulgador da gravadora CBS, hoje Sony Music. Eles foram pedir para eu dar uma força no seu primeiro LP, o “Louco por você”. Como você sabe, antes ele já havia gravado dois 78 rpm, cantando no estilo João Gilberto, mas esses discos não me foram levados. O primeiro contato que tive com Roberto foi mesmo no lançamento do “Louco por você”, que hoje é uma raridade e que, não sei por quais razões, está fora de catálogo há tanto tempo e nunca foi relançado.

* Qual a sua opinião sobre esse disco?
"LC" – O “Louco por você” foi a primeira investida de Roberto Carlos numa fábrica séria num disco com uma programação bonita, uma produção bem feita e com muitas versões do Carlos Imperial. Eles foram muito amigos mas tinham temperamentos diferentes. O Imperial era irreverente, um tanto infiel às amizades, o oposto ao Roberto, sempre fiel aos seus amigos.

* Você falou sobre fidelidade, e Roberto sempre foi muito fiel à sua gravadora. Na sua opinião isso teve importância para o seu sucesso?
"LC" – Sem dúvida, pois quando um artista sai de uma gravadora ela costuma queimá-lo com gravações mais baratas, compilações desnecessárias e até mesmo lançando músicas arquivadas e que o artista preferia não ver lançadas. Podemos dizer que além de o Roberto sempre ter colaborado gravando músicas boas para o sucesso, a gravadora também teve interesse em ajudá-lo, não só pelo seu talento mas também por sua fidelidade.

* Depois desse primeiro encontro vocês continuaram tendo contato? "LC" – Sim, pois ficamos amigos. Quase toda a turma da CBS era do yê, yê, yê, que mais tarde formou a Jovem Guarda. Nessa época apareceram o Jerry Adriani, a Wanderléa e outros que acabaram formando um grupo muito unido por uma amizade profissional e também pessoal.

* Como você vê o comportamento do Roberto Carlos nesses anos?
"LC" – Foi um tempo difícil, um período de muita luta, mas foram momentos muito felizes. Roberto não mudou como pessoa. Evoluiu como artista, está nas paradas de sucesso desde o seu primeiro LP e é cada vez mais respeitado pela sua maneira de agir e de ser. Além do prestígio e da simpatia popular, ele conquistou o respeito do povo. É dos artistas mais respeitados do Brasil desde o começo. Ele não muda sua maneira de ser comportar. Você não vê escândalo o envolvendo, a não ser quando alguém quer aparecer às suas custas, pois falar de Roberto Carlos sempre dá manchete.

* Desde o começo você sentiu que Roberto Carlos iria longe na carreira?
"LC" – No início nunca dá para perceber, e eu não percebi. Assim como o conheci no início de carreira, também conheci outros artistas, e poucos conseguiram se estabilizar. Roberto já cantava bonito, cantava gostoso, mas não dava para se ter ideia do sucesso que faria. De qualquer forma, podemos constatar que ele tem uma belíssima estrela, porque a caminhada é muito difícil, o sucesso é trabalhoso e às vezes cruel. Mas a estrela do Roberto está brilhando até hoje, num céu só de coisas maravilhosas, e ela guia o seu caminho até hoje.

* Conte-nos um pouco como era a “Caravana da Alegria”.
"LC" – Nós juntávamos uns cinquenta artistas e nos finais de semana saíamos para fazer shows. Como eu tinha um programa diário na Rádio Globo, passava a semana divulgando esses shows. Os artistas eram os que mais tarde formaram a turma da Jovem Guarda.

* Quando você percebeu que a carreira do Roberto Carlos decolaria?
"LC" – Foi quando ele lançou o disco “É proibido fumar”. No disco anterior a música “Splish, splash” já havia feito sucesso, mas pode-se dizer que esse disco foi fundamental em sua carreira, porque quase todas as músicas fizeram sucesso.

* Você concorda que tenha sido uma das pessoas mais importantes no início da carreira de Roberto Carlos?
"LC" – Não acho que tive essa importância toda. Quem deu força ao Roberto Carlos foi o criador de tudo e de todas as coisas. Foi Deus que deu a Roberto a estrela para brilhar intensamente como brilha até hoje. É claro que a “Caravana da Alegria” foi importante como um caminho.

* Como era a convivência da Caravana? E a expectativa dos fãs?
"LC" – Era uma verdadeira alegria, um companheirismo muito grande, muito forte. Todos nós éramos amigos, companheiros e camaradas. O comportamento daquela turma era exemplar. Todo o dinheiro era dividido igualmente; não eram grandes quantias mas dava para ajudar em casa. Roberto só nos deixou quando teve que ir para São Paulo fazer o programa Jovem Guarda. Olha, tenho muitas histórias dessas Caravanas, mas contá-las publicamente, só mesmo perguntando ao Roberto se posso. São histórias fantásticas, resultado de muita união entre todos. Nada demais, alguns namoricos, afinal todos eram jovens, mas histórias que deixaram saudade de um tempo muito bom.

* Quer dizer que isso nunca virá a público?
"LC" – Algum dia, quem sabe... Há dois anos estive com Roberto no Metropolitan, depois de um show, e ele me prometeu uma entrevista de duas horas, dizendo que eu poderia perguntar tudo. Até me espantei e perguntei se tudo mesmo. Ele disse que sim, pois nessa altura da vida não tem nada a esconder. Por isso estou esperando essa entrevista e, como ele deve ler o jornal do Grupo Um Milhão de Amigos, aproveito aqui para cobrar dele essa entrevista. Ele disse que essa entrevista teria que ser de duas horas porque temos muita coisa para falar e contar. Por isso essas histórias só poderão ser contadas com a autorização do Roberto Carlos.

* Como era a juventude daquela época?
"LC" – Era muito diferente da de hoje. Rodamos o Brasil com a “Caravana da Alegria” e nunca vi nenhum problema de drogas. Era uma juventude mais certinha, mais família e ligada às coisas do coração. Éramos fraternos e fazíamos parte de uma comunidade sadia.

* Você fez o primeiro programa de auditório da TV Globo, o TV Fone. Fale um pouco do programa, da participação dos cantores e dos fãs.
"LC" – O programa era baseado na “Caravana da Alegria”, por isso arrebanhei todo o público daqueles shows. O programa era onde hoje é o Teatro Fênix e era difícil de se chegar lá. Naquela época não havia o Túnel Rebouças e o bairro do Jardim Botânico era deserto mas mesmo assim o público era uma verdadeira loucura. Num auditório com capacidade para trezentas pessoas chegaram a querer entrar três mil. Tivemos que colocar um televisor do lado de fora. Lá dentro as garotas jogavam de tudo no palco, bolsas, lenços, casacos, e por causa dessa loucura chegamos a ter problemas com o Juizado de Menores, que nos acusou de fazer as fãs ficaram muito exaltadas. Aqueles artistas não tinham um programa só para eles; o máximo que faziam eram pontas em outros programas, principalmente nos da bossa nova e da tropicália, que também estavam surgindo e eram mais elitizados. Cada convidado do meu programa era convidado para cantar uma música mas acabava cantando quatro a cinco. Foi através desse programa que essa turma se destacou na televisão. Dali Roberto e outros foram para São Paulo fazer o “Jovem Guarda”. Tenho certeza que todos têm recordações muito bonitas do programa.

* E a importância da Jovem Guarda para a nossa música?
"LC" – Foi um dos movimentos mais simpáticos já acontecidos na nossa música. Tanto isso é verdade que até hoje quando no programa falamos de Jovem Guarda e colocamos gravações daquela época o telefone não pára e as pessoas chegam a chorar com as recordações.

* Como era a expectativa do lançamento dos discos do Roberto?
"LC" – A CBS convidava os comunicadores dos principais programas para a primeira audição do disco, sempre com a presença do Roberto Carlos. Depois nos perguntavam quais as músicas preferidas. O curioso é que todas as músicas faziam enorme sucesso. Hoje as gravadoras trabalham apenas determinadas faixas.

* Voltando aos shows e ao seu programa, quem acompanhava Roberto e o que ele cantava?
"LC" – Naquela época os próprios músicos dos conjuntos tocavam para os colegas. Era comum, por exemplo, o Renato e Seus Blue Caps se apresentarem e depois chamarem o Roberto e fazerem a base para ele. Também havia um conjunto fixo chamado “Três W”, formado pelo Waldir, Walter e Wagner. Roberto muito querido por todos e a camaradagem era tão grande que Renato e os Fevers sempre tocavam para ele. No final todos subiam ao palco e cantavam juntos. Quanto ao repertório, Roberto cantava principalmente músicas do seu disco mas também cantava alguns rocks internacionais que estavam surgindo e até mesmo músicas famosas da época. Ele sempre se preocupou em cantar o que o povo sabia.

* Roberto sempre foi realmente humilde?
"LC" – Num sentido positivo, Roberto era um “problema”, porque quando a Caravana chegava nos lugares ele não gostava de chamar a atenção. Ele nunca descia do ônibus na frente nem atrás dos outros. Era sempre no meio para não chamar atenção. Pouca gente sabe mas ele é muito tímido. Ele é muito introvertido e guarda os sentimentos. Isso é importante para explicar o fato de ele ser tão bom intérprete, já que sendo assim sensível e guardando tantos sentimentos, ao transmitir o que tem dentro de si fala mais fundo ao coração das pessoas.

* Mas acabou tornando-se um líder.
"LC" – Líder ele não era, mas era muito determinado. Uma pessoa tímida como ele não pode ser líder mas sua liderança veio com o sucesso. Mesmo que ele não quisesse ser líder, acabou sendo. Roberto nunca quis se impor. Sempre foi muito reservado embora participasse ativamente de tudo. Sempre foi muito determinado, sempre soube muito bem o que queria. Buscava aprender tudo. Tímido, educado e discreto, mas determinado, o sucesso acabou o transformando num líder.

* Você acha que tenha havido uma estrutura para impulsionar a carreira de Roberto Carlos?
"LC" – Posteriormente pode ter havido alguma máquina, quando ele já era sucesso mas não há máquina que faça o sucesso se não houver um verdadeiro talento. Tanto isso é verdade que muitos cantores surgiram junto com Roberto Carlos e somente ele chegou tão alto. Se o cantor não for bom não adianta nada nem máquina alguma, porque o público não se engana. É a mão de Deus que encaminha as pessoas para um maior sucesso. São algumas pessoas privilegiadas por Ele.

* Dona Laura acompanhava vocês nas excursões da “Caravana da Alegria”?
"LC" – Ela não ia muito aos nossos shows, porque eram cansativos e muito barulhentos, mas em alguns ela aparecia. Às vezes a visitávamos em seu apartamento na Rua Gomes Freire. Ela não participava ativamente mas sempre foi fundamental na carreira do filho, desde o início. Ela criou Roberto e os outros filhos com muita dignidade. O respeito que temos por ela é o mesmo que temos pelo Roberto Carlos.

* Você chegou a dar conselhos a Roberto Carlos?
"LC" – Não, conselho não acredito que se dê aos outros. A gente se igualava ali, não havia o apresentador e o artista e, isso sim, amigos.

* Como você encara as críticas negativas a ele?
"LC" – Nesses meus sessenta anos no mundo artístico percebi que a crítica é despeitada. Quem escreve num jornal, por exemplo, não tem seu nome badalado, então acha que tem que falar mal de alguém conhecido para ficar famoso. Falar a favor, tudo mundo fala, e quem contraria a maioria é que chama a atenção. Se alguém fala mal do Roberto os fãs procuram saber seu nome e ele deixa o anonimato para ser conhecido como jornalista que falou mal do Roberto Carlos. De um compositor que tem mais de quinhentos sucessos também só podemos falar bem. Roberto e Erasmo têm uma bagagem artística enorme e são amigos fiéis. Não precisam se afirmar.

* Como você define Roberto Carlos?
"LC" – Ele é indefinível. Não há como explicar Roberto Carlos. Ele dispensa adjetivos, porque o que já fez e construiu em sua carreira é realmente incomum. Como já disse e repito, Roberto Carlos é um privilegiado. A bênção e a mão de Deus estão sobre ele. Apesar de algumas dificuldades por que passou já que o caminho não foi fácil, é fantástico ver até onde ele chegou. Deus lhe deu tudo aquilo que esperava e o que não esperava, e tomara que ele continua com essa bênção divina. Se alguém merece tudo de bom, esse alguém se chama Roberto Carlos.

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