MARIA BETHÂNIA
entrevista a Carlos Eduardo F.Bittencourt
exclusiva para o Grupo Um Milhão de Amigos

novembro 1993




Roberto Carlos tem recebido muitas homenagens
através de gravações de suas músicas por outros cantores.
Sem dúvida, a maior homenagem foi a de Maria Bethânia,
com a gravação do disco “As canções que você fez pra mim”,
só com músicas da dupla Roberto e Erasmo.


* O que te levou a gravar um disco com músicas de Roberto e Erasmo Carlos?
"MB" – Foi um convite feito pela minha gravadora, a Polygram, através do diretor artístico Max Pierre. Eu assinei um novo contrato, e ficou estipulado que teria que gravar três discos de carreira e mais dois projetos especiais. Um desses projetos era um disco com músicas do Roberto Carlos. Imediatamente aceitei fazer o disco, mas desde que me dessem liberdade para escolher o produtor, o repertório e a concepção. O convite me comoveu demais. Para mim, foi uma honra, e fiz o trabalho com muito carinho. Espero que ele apareça em cada sílaba, em cada nota, porque Roberto e Erasmo merecem. Acho que o trabalho está muito lindo. O rótulo de “feito por encomenda” não diminuiu em nada o impacto das gravações, que tem momentos sublimes.

* Como foi feita a escolha do repertório?
"MB" – Eu conheço o trabalho do Roberto desde o princípio de sua carreira. Tenho todos seus discos e selecionei as músicas que mais me tocaram, as da minha geração. Fiquei muito ligada no que um cineasta amigo meu disse: “O Roberto sempre quebra qualquer galho”. As canções são do período em que vivi muito a obra do Roberto Carlos. Aliás, acho que todo mundo viveu muito, e ainda vive, a carreira dele.

* Qual foi a primeira música selecionada?
"MB" – Foi “Você”. A partir daí selecionei as músicas, e o produtor do disco, Guto Graça Mello, foi muito feliz ao chamar o pianista João Carlos Assis Brasil para tocar piano nessa faixa. Acho uma música lindíssima e trabalhei com delicadeza a minha interpretação.

* Custou muito para escolher as onze músicas?
"MB" – Não, eu já sabia e tinha preferência por algumas, que já tinha, até cantado em shows, como “Fera ferida” e “Eu preciso de você”. Foi um trabalho maravilhoso. Ouvi todas as músicas dele, e elas sempre estão ligadas a algum momento de minha vida. Fiz cinco ou seis listas e fui cortando, montando a relação até chegar às escolhidas. Em dez dias o repertório estava escolhido.

* Por que só onze canções?
"MB" – Eu só quis gravar onze canções para ser um disco econômico, que tivesse essa limpeza e qualidade que ele tem. Achei que esse era o número ideal. É lógico que há outras canções do Roberto e do Erasmo que eu adoraria cantar e que certamente cantarei em outras oportunidades. Mas, neste momento, foram estas as músicas que me emocionaram. Entrou, também, o critério da minha missão como cantora, já que sou completamente diferente do intérprete Roberto Carlos. Ele canta tão bem tudo que compõe que tive que sentir nas canções como seria a minha missão; eu tenho voz forte, interpretação mais dramática, e o Roberto é mais intimista.

* A maior parte das músicas gravadas são dos anos 70. Você considera essa a fase mais criativa de Roberto Carlos?
"MB" – Não. Eu não pensei em datas. Escolhi as canções mais pelo coração, pelo sentimento. Por acaso, coincidiu com esse período, mas a carreira do Roberto Carlos é brilhante do princípio ao fim.

* Foi realmente você quem “abriu os olhos” do Caetano Veloso sobre o “Jovem Guarda”?
"MB" – Eu adorava o programa, via sempre e tinha um contato maior com o Caetano. Conversamos sobre tudo. Acho que meu irmão nunca tinha prestado atenção ao “Jovem Guarda”, e falei para ele ver, já que era bom, alegre, e o Roberto Carlos era ótimo. Agora estou entendendo uma pergunta que me fizeram anteriormente: é que na canção “Baby” tem a frase “...ouvir aquela canção do Roberto”. É verdade, no trabalho de divulgação do disco, as pessoas me perguntam muito sobre isso. Agora estou vendo que Caetano registra essa passagem na música “Baby”. O programa era importante, delicioso. Era saboroso ver o Roberto. E será sempre! Eu acho que ele é um dos maiores cantores que o Brasil teve, tem e terá por muito tempo, se Deus quiser. Ele é um intérprete muito bom, extraordinário. Eu me identifico com ele, que tem canções inesquecíveis. Para mim é natural cantar Roberto Carlos em discos e em shows.

* Em 1982, você gravou a música “Amiga”, no disco de Roberto. Como foi o convite? E o encontro para a gravação?
"MB" – Eu estava ensaiando o show que ia estrear no Canecão quando recebi o convite dele, que estava em Nova Iorque. A música precisava de uma vez feminina. Eu embarquei para Nova Iorque em dez dias, e gravamos a canção. Foi uma delícia: eu cheguei, o Roberto já tinha colocado a voz na sua parte, coloquei a minha e, no final cantamos juntinhos. Não sei se essa música foi feita para mim, talvez ele tenha pensado em mim como intérprete, na voz, no timbre. Mas é interessante você perguntar isso, porque há pessoas que pensam que sou personagem da música. Me dão conselhos, desde a época do lançamento do disco e falam: “Olha, vai passar, ele vai voltar...” Aí explico que não sou personagem, que estou ali só com a voz de amiga do Roberto Carlos.

* As pessoas que cantam o amor são chamadas de brega. O amor virou breguice?
"MB" – O amor não tem nada com brega; muito menos o Roberto. Ele é chique. Isso é coisa de pessoas que não têm o que fazer. Acho que falta algo mais nas vidas delas. O Roberto é um menino que trabalha com fidelidade, se dedica ao que faz, batalha desde muito cedo. O que acontece é que algumas canções amorosas, afetivas, não muito elegantes, foram gravadas. O Brasil está muito decadente, o mundo também está decadente, e a música foi influenciada por esse processo. Mas isso não se pode atribuir ao Roberto Carlos. Ele é chique. O Brasil, não sei o porquê, tem esse preconceito com a música romântica. É uma bobagem. O maior dos boçais se emociona ao ouvir Charles Aznavour cantar boleros.

* É difícil cantar e falar de amor hoje em dia?
"MB" – Não, não é difícil; acho que é, até, uma necessidade. Talvez até para lembrar às pessoas que ainda existe amor. As pessoas estão muito solitárias. Eu sou só, você é só. Entramos na era do fax: todo mundo se comunica eletronicamente.

* Roberto e Erasmo já ouviram seu disco?
"MB" – Não sei se o Roberto ouviu, mas tenho certeza que vai me dizer o que achou. Já falei com o Erasmo. Ele chorou muito ao ouvir e falava assim: “Meu Deus! Ela pôs acordeon francês, e eu nasci na Tijuca...”

* Por que você escolheu a música “As canções que você fez pra mim”, de 1969, como nome do disco?
"MB" – Essa canção é linda, deslumbrante. Nós tivemos a idéia de fazê-la em blues, o que deu um resultado bem diferente da gravação do Roberto. É a música mais antiga desse disco. Eu adorei, gostei muito, e a Polygram foi feliz ao escolhê-la para ser a primeira música a ser trabalhada nas rádios.

* Você já tinha gravado algumas músicas, cantadas pelo Roberto Carlos em seus discos mas que não eram dele. Por que demorou tanto para gravar canções do Roberto, já que vocês têm estilos parecidos?
"MB" – Realmente, eu já tinha gravado, antes, “Um jeito estúpido de te amar” e “Falando sério”, que ele também gravou. Mas, em 71, eu gravei “Jesus Cristo” e participei de um disco do Erasmo Carlos cantando com ele “Cavalgada”. É estranho não ter gravado Roberto Carlos antes. Acho que tinha uma intuição de que um dia faria um disco só com suas músicas. Só pode ter sido isso. Não sei porque nunca tinha gravado, pois sempre gostei tanto dele... É estranho! O engraçado, também, foi ter cantado “Jesus Cristo”, uma canção religiosa, e não ter escolhido uma música romântica, já que é a base do nosso repertório.

* Você tem como definir Roberto Carlos?
"MB" – Quem sou eu para definir Roberto Carlos... Eu o conheço muito mais através do trabalho, e, pessoalmente, nós estivemos juntos em algumas ocasiões, trabalhando ou conversando, mas poucas vezes. O Roberto é um menino ocupadíssimo; eu também sou muito ocupada. Mas tenho uma profunda admiração por ele, pelo seu trabalho. Acho Roberto Carlos um homem direto, honrado e um artista extraordinário.
PÁGINA INICIAL VOLTAR ENTREVISTAS COMO É BOM SABER