MAURO MOTTA
entrevista concedida a Carlos Eduardo F.Bittencourt para o
Grupo Um Milhão de Amigos

10.01.1997




Costumo brincar que Mauro Motta é sócio-honorário do Grupo Um Milhão de Amigos.
Estamos aqui para mais uma entrevista.
Desta vez ele fala do novo disco de Roberto Carlos que,
como tem acontecido desde 1984, ele produziu.

* Grande parte dos fãs considera esse o melhor disco de Roberto Carlos nos últimos anos. Qual a sua opinião?
"MM" – Tenho a mesma opinião. Eu acho que foi Deus, mais uma vez. Ele nos mostrou o caminho, fez com que escolhêssemos as músicas certas.

* Após muito tempo você não teve uma música gravada por Roberto. Você chegou a mostrar alguma composição para esse disco?
"MM" – Cheguei a mostrar três canções, uma em parceria com Arnaldo Sacomani, outra com Carlos Colla e uma que fiz com Paulo Sérgio Valle. Até conversamos sobre elas mas a verdade é que saíam um pouco da linha do disco. Isso é normal, às vezes acontece. Outro dia conversamos por telefone e eu disse a ele que já estou preparando uma música para o seu próximo disco. Foi uma conversa muito agradável. Também falamos sobre ecologia, sobre árvores e outros assuntos. Acho até legal não ter nenhuma música minha nesse disco já que, sendo eu o produtor, escolho com ele as músicas. Temos essa dignidade; não seria válido me aproveitar da situação para incluir músicas minhas. O Roberto só grava aquilo que sente, e eu, como produtor, tenho que seguir a linha do disco, não importa de quem seja a canção.

* Como foi o ritmo de gravação este ano?
"MM" – Há muitos anos que eu venho conversando, com insistência, com Roberto, dizendo que se o trabalho começasse mais cedo o rendimento seria muito melhor. Nos discos anteriores entrávamos no estúdio no final da tarde, e a gravação terminava de madrugada. Este ano conseguimos começar a gravar por volta das 9 da manhã. Mas é claro que às vezes íamos até de madrugada. Mas isso aconteceu poucas vezes; geralmente às 9 ou 10 da noite encerrávamos o trabalho. Roberto compreendeu a importância de chegar cedo e até houve um dia em que ele chegou ao estúdio antes de mim. Foi ótimo porque trabalhamos sem o cansaço dos anos anteriores.

* Alguns cantores acham que gravar mais cedo ajuda porque a voz fica mais limpa, mesmo cansada. Você concorda?
"MM" – Não, não acho que seja assim. Este ano começávamos a colocar a voz do Roberto lá pelas 7 da noite, algumas vezes mais tarde. Mas fizemos um grande esforço para colocar a voz em torno desse horário, com a gravação indo até por volta das 11 da noite ou um pouco mais, tipo meia-noite. O fato de o trabalho entrar pela madrugada foi apenas uma necessidade, não uma rotina ou padrão.

* O disco-mix deste ano, com quatro músicas de trabalho, atrasou um pouco, custando para chegar às rádios. Houve necessidade de refazer alguma música?
"MM" – Nós fizemos o “single-four” com as quatro canções para serem divulgadas em rádio até com uma certa rapidez. Tivemos um atraso, sim, no dia da entrega das músicas, mas a gravação, colocação de voz e mixagem não foram alteradas em nada. É bom esclarecer um pouco essa história de atraso. Quando estamos trabalhando no disco, a gente sempre procura seguir a orientação de Deus. Se Ele quis que a entrega fosse naquele dia, ninguém pode alterar esse plano, e esse pequeno atraso, de alguns dias, foi apenas trabalhando um pouco mais na busca do melhor.

* Esse disco teve uma participação maior do maestro Charlie Callelo. Como você acompanhou esse trabalho?
"MM" – Cada vez estamos gravando mais no Brasil, pois nós temos excelentes maestros, ótimos músicos e condições para que o disco seja gravado aqui. Quando estava quase tudo pronto, convidamos o Callelo para vir ao Brasil ou fomos à Los Angeles, para uma troca de idéias. Como já falei anteriormente, sempre gostamos de trocar idéias sobre os arranjos, ter várias opções para podermos escolher o que nos parecer melhor.

* E como é feita a essa escolha?
"MM" – Chega um momento em que precisamos de outras pessoas para dar novos palpites. É muito comum um arranjador fazer só a parte dos metais ou só a parte das cordas. Há músicas em que um arranjador coloca somente alguns detalhes de embelezamento. Então fizemos isso com o Charlie Callelo. Ele foi ao estúdio, ouviu as canções com Roberto e comigo, deu algumas idéias e, a partir daí, acrescentamos algumas coisas que ele criou.

* Vamos falar um pouco de cada música do disco?
Mulher de 40
"MM" – Nesta música aconteceu uma coisa interessante. Quando Roberto entrou no estúdio para gravar, ela não existia. Ele já tinha seis músicas gravadas quando me disse que tinha uma inspiração para uma música que seria muito legal. Dois ou três dias depois me disse que estava desenvolvendo o tema, mas não disse qual era. Já com a sétima música gravada foi que chegou com “Mulher de 40”. É difícil acontecer isso, é muito raro Roberto fazer uma música no decorrer das gravações. Foi algo meio único que aconteceu. Achei fantástico.

Cheirosa
"MM" – Ele me mostrou a música em casa, mas ainda faltava um pedaço. Ela tem dois refrões na melodia, o que vem acontecendo com todas as músicas de sucesso dos últimos cinco anos. É uma música que ficou muito rica por causa disso. E bastante atual também. Eu diria que é uma mistura rítmica centro-americana, brasileira do norte e do sul. Com certeza fará sucesso lá fora gravada em espanhol.

Quando digo que te amo
"MM" – É a minha favorita do disco. Me lembra muito as músicas dos anos 60. Roberto sempre canta muito bem mas há algumas em que ele coloca a voz com mais suavidade, com mais intimidade. Aí me delicio com a sua forma de cantar. Não é muito comercial para ouvir é a que mais gosto nesse disco. Ela tem um saxofone maravilhoso do Milton Guedes que foi feito logo depois de gravadas as bases. Normalmente gravaríamos antes os teclados, os violinos e até mesmo o coro. Mas o Milton chegou e em 40 minutos gravou a abertura o solo do meio e o improviso do final. Já havia uma melodia escrita pelo Eduardo Lages, e o Milton trabalhou baseado na pauta.

Amor antigo
"MM" – Roberto já a tinha gravado em 92. Tínhamos tudo pronto, inclusive o solo de sax do Léo Gandelman. Mas Roberto não estava satisfeito com a letra, por isso ela não saiu naquele disco. Agora regravamos tudo e acabamos ficando com o original. Somente a voz do Roberto foi gravada agora. E nós a mixamos seis vezes até ficar no ponto.

Como é grande o meu amor por você
"MM" – É mais uma regravação que Roberto coloca em seu disco. Acho que ficou mais bonita agora do que a gravação original, de 67. Dá para perceber que ele amadureceu na forma de cantar, o que é normal em sua carreira mas ele não perdeu uma coisa importantíssima que é a emoção na forma de cantar, como se diz, a lágrima. A gente percebe que entre as duas gravações houve uma mudança causada pelo tempo. Mudaram o som e os arranjos mas, volto a dizer, o importante é que ele não perdeu a emoção da gravação original, de quando compôs a canção. A parte declamada ficou muito bonita. Ele tinha um pouco de receio de interromper o solo para falar. Foi uma ideia minha, lembrando que ele nunca havia declamado desde que produzo os seus discos. Argumentei que não haveria problema porque o texto entraria em contraponto em relação ao solo. E textos foram uma marca registrada em suas músicas. Não ficou nenhum exagero, sendo, também, uma coisa inédita nos últimos tempos. Até me lembro, agora, de uma frase do Roberto: “Dê à sua música aquilo que ela precisa”.

O terço
"MM" – Como vem acontecendo há alguns anos, foi a primeira canção a ser gravada. Por favor, não pense que seja superstição. É que começando pela mensagem o clima de trabalho fica maravilhoso. Eu, particularmente, ficou em estado de êxtase espiritual, porque sou uma pessoa de muita fé em Deus, em Jesus, e as músicas religiosas trazem para o estúdio essa paz. O que mais a gente quer se está com Deus no estúdio? Por isso a gente já começa o disco com Jesus presente. Isso nos dá a certeza de que estamos no caminho certo. Cada dia mais o Roberto se preocupa que suas mensagens cheguem aos fãs como uma forma de oração. Ele quer passar sua fé, seu amor ao próximo, o sentido da irmandade, o fazer o bem, enfim, todos esses ensinamentos que Jesus deixou. Então, todas as coisas que Roberto grava nas mensagens, que são dadas por Deus a ele, estão cada vez mais próximas das orações. Tem coisas que a gente não tira do coração – Não há muito o que falar dessa música. O título já diz tudo. É bonita demais, é uma música linda, e eu me apaixono muito quando a ouço. Acho que vai ser o próximo sucesso desse disco.

Comandante do seu coração
"MM" – Nela tem uma cuíca que todo mundo está comentando. O curioso é que eu estava brincando, fazendo com a boca umas frases de metais, isso já no finalzinho da gravação. Aí o Roberto veio com a ideia da cuíca. Demos uma certa gozada nele mas resolvemos experimentar. Aí vimos que funcionava e que dava um certo charme ao ritmo, uma certa elegância. Repare a forma como Roberto dividiu a letra. Ele dá um “banho” de interpretação, às vezes antecipando a melodia. Realmente, o Roberto tem essa vantagem como cantor, porque consegue cantar músicas românticas de uma forma bonita, do seu jeito particular. Nas músicas tipo rock-and-roll ele faz um tipo perfeito na divisão. O mesmo acontece com os sambinhas. Por isso é que o Roberto é um artista completo.

Assunto predileto
"MM" – É a única canção do disco que não leva a assinatura de Roberto Carlos. O Eduardo Lages levou a fita ao estúdio e logo que ouvimos gostamos da música, que se encaixou muito bem no disco.

O homem bom
"MM" – Essa música foi entregue ao Roberto há uns dois anos mas desde aquele tempo ele estava fazendo uma adaptação da letra do Paulo Sette e do Clayton Querido. A idéia do texto não foi alterada mas ele fez questão de definir quem era o homem bom da música. A gente não sabia exatamente de quem a história falava. Para mim parecia ser São Francisco de Assis. Para o Roberto esse homem bom era o Papa João Paulo II.

* Mauro, você gostaria de acrescentar alguma coisa?
"MM" – Só quero agradecer a Deus, e por mais que eu agradeça é muito pouco por ter me dado essa bênção de trabalhar com Roberto Carlos, de trabalhar com música. Tenho que agradecer a Deus por todas as orientações, por todos os dias, por todos os momentos, por tudo que Ele achou que a gente devia fazer nesse disco e em todos os outros de que participei. Meu agradecimento a Deus é eterno, sempre!

* Muito obrigado, Mauro, e até o ano que vem.
"MM" – Com a graça de Deus, até o ano que vem.

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