Fugindo ao que há alguns anos veio se tornando rotina, este ano não entrevistamos Mauro Motta logo após o lançamento do CD de Roberto Carlos, desta vez o “Acústico MTV”, lançado em dezembro/2001. Não pensem que esqueceríamos ou abriríamos mão dessa conversa sempre tão agradável e esclarecedora com nosso querido amigo. Questões de agenda lotada foram atrasando esse nosso encontro, mas enfim conseguimos marcar essa entrevista em que Mauro nos conta como foi a produção do CD resultado de uma acirrada guerrinha entre TV Globo e MTV. No final, para o bem de todos, tivemos o CD e agora aguardamos com enorme ansiedade o primeiro DVD daquele que, considerado o “Rei da Musica Brasileira de Todos os Tempos”, é, entretanto, um artista que nos surpreende por ainda não ter colocado no mercado um só DVD de seus shows.
* Qual foi a sua participação no disco Acústico do Roberto Carlos? "MM" – O projeto original foi produzido pelo Guto Graça Mello. Eu entrei para fazer os acabamentos que estavam faltando. * O que você quer dizer com “acabamentos do disco”? "MM" – É bom deixar claro que Roberto não regravou o disco, já que foram publicadas notícias de que ele tenha regravado tudo em estúdio, aproveitando apenas os assobios e aplausos da platéia. Isso é mentira. Roberto só fez pequeninas correções na voz, porque em um projeto ao vivo às vezes a voz não sai muito clara. Um cantor pode cantar algumas palavras longe do microfone, e em estúdio fazemos essa correção. Roberto não gosta de usar computadores para mexer com a sua voz. Ele não permite. Em seus discos, o computador só é usado no que a tecnologia permite, ou seja, aumentar, o nível da voz, consertá-la quando fica baixa, mas afinação isso ele não permite, pois muda a interpretação do artista. Roberto Carlos acha que afinando sua vez em computador está desrespeitando o seu público, e eu acho que ele está certo. * Quais foram as maiores dificuldades que vocês encontraram nesse acabamento? "MM" – Eu não diria dificuldade, mas como Roberto só realizou dois dias de gravação, tivemos poucas opções de seleção. Se houvesse mais dias de gravações, teríamos um leque maior de opções. Não sei se pode se chamar isso de dificuldade mas o fato é que tivemos pouco material de escolha. * Então é mais fácil trabalhar um disco de estúdio, começando do nada do que mexer num disco ao vivo, cujo material já está gravado? "MM" – Sem dúvida, principalmente nesse caso do Acústico do Roberto, pois foram apenas dois dias de gravações. Mas pode-se também lançar um disco ao vivo gravado durante uma temporada. Aí as opções de escolha certamente são maiores. * Roberto ficou quase cinco meses em estúdio. É realmente necessário todo esse tempo ou isso é resultado do conhecido extremo perfeccionismo do Roberto? "MM" – Vocês sabem que o Roberto é muito detalhista, muito meticuloso em seu trabalho, e ele foi procurando com muito cuidado as palavras em que tinha que mexer. * Como foi sua participação junto com o Guto Graça Mello nesse trabalho? "MM" – O Guto fez a produção e as mixagens e, como falei eu só ajudei o Roberto no acabamento, ouvindo os dois dias de gravação para escolher aquilo que ficava melhor. Isso requer muito trabalho, diria até que é um trabalho de garimpeiro. * Você chegou a participar dos ensaios para a gravação da MTV? "MM" – Não. Quando eu fui chamado as gravações já tinham sido realizadas. * Qual foi o critério para deixar de fora as músicas “Olha”, “Eu quero apenas” e “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos”? "MM" – Quando eu fui chamado pelo Roberto, ele já tinha decidido colocar no CD quatorze músicas. As outras três que não entraram no CD também ficaram muito bonitas, como todas as gravações, e não entraram apenas por questão de escolha, de equilíbrio. No disco, você tem que ter canções com um balanço, canções mais lentas, canções românticas, e tivemos que fazer a escolha, foi apenas uma opção que já teríamos que colocar quatorze sucessos. Não foi fácil a escolha, pois além de terem ficado bonitas também são grandes sucessos do Roberto Carlos, mas ele achou que as músicas escolhidas dariam maior rendimento ao CD. * Então a ideia do Roberto foi sempre lançar o disco Acústico com quatorze músicas? "MM" – Isso eu não sei te dizer porque não participei da elaboração do disco. Quando eu fui chamado a ideia já era a de lançar o disco com quatorze canções. Se no início da elaboração o disco sairia com quatorze ou dezessete músicas eu não sei. * É verdade que vocês ficaram mais de uma semana em estúdio mexendo na palavra “displicente” na música “Parei na contra-mão”? "MM" – A imprensa fez muito folclore sobre isso. Dentro de um processo de gravação isso de se gastar um tempo mexendo num trechinho é muito comum mas houve mais boato do que verdade nessa história. Realmente nas três primeiras audições parecia que Roberto cantava “dispricente”, mas abaixamos algumas freqüências da gravação e percebemos que ele cantava certo, isto é, “displicente”. O que demorou foi equilibrar o som para se achar uma solução final, mas nada que demorasse uma semana como foi falado. * A ideia inicial era que o Acústico fosse lançado em junho, depois passou para setembro e acabou por sair em dezembro. Essa cobrança dos fãs, da gravadora e da mídia atrapalhou o trabalho? "MM" – Não, porque todo grande artista leva meses gravando um disco. Alguns nomes internacionais chegam a levar dois anos até lançarem um disco. Acho até que Roberto Carlos é um artista corajoso, porque um mito como ele não precisaria lançar um disco todo o ano. Ter que compor todo ano, escolher as músicas de outros compositores e fazer um disco bem feito a cada ano é um fato raro. Um disco bem feito não se faz em menos de quatro ou cinco meses, e Roberto gosta de fazer o melhor para o seu público. Mas, sobre essa pressão de que você falou, isso não atrapalhou em nada o nosso trabalho. É só observar que o disco continua sendo um sucesso de vendagem e de execução. Foi bastante elogiado e eu acho que o trabalho ficou bom. * Qual foi a sua primeira impressão ao ouvir a gravação do disco? "MM" – Quando ouvi pela primeira vez percebi que teríamos um pouco de trabalho. Conhecendo bem o lado cuidadoso do Roberto Carlos, sabia que teríamos que mexe em algumas coisas. * O impasse entre a TV Globo e a MTV sobre a exibição do programa tirou a concentração de vocês na conclusão do CD? "MM" – Quando o Roberto grava um disco ficamos tão envolvidos no trabalho que não temos condições de nos envolver com outros problemas. Roberto tem profissionais competentes à sua volta. São eles que tratam dessas questões. Eu me lembro que um dia ouvi um comentário sobre esse assunto, mas foi uma coisa de passagem. Em momento algum esse problema tirou a atenção do Roberto no acabamento do disco, pois esse tipo de coisa ele sempre deixa na mão de seu empresário. Posso garantir que naqueles quatro ou cinco meses a atenção do Roberto ficou totalmente voltada para o disco. * Qual a música que deu um pouco mais de trabalho? "MM" – Foi a primeira música que trabalhamos, “Além do horizonte”. Roberto deu a ela uma interpretação fantástica, genial, com divisões de palavras e de versos que não me lembro de ele ter feito antes, e a música ficou com um ritmo de samba, meio bossa-nova, bem diferente da gravação anterior. A interpretação do Roberto ficou tão bonita, com um improviso no final, que fica difícil de se repetir. É aquela coisa do momento de um artista. Isso sempre dá um pouco mais de trabalho para vibrar a voz no play-back. * Você ficou surpreso com algumas músicas do disco Acústico devido à interpretação diferente das gravações originais? "MM" – Todas me surpreenderam, mas principalmente as mais antigas, as que tinham sido gravadas não anos sessenta e setenta. Eu não imaginava ouvir hoje Roberto Carlos cantando “Parei na contra-mão” e “O calhambeque” da mesma maneira que cantava quando era um menino de vinte anos de idade. Eu fiquei bastante surpreso com a interpretação dele nessas músicas e também em “Eu te amo, te amo, te amo”. Ele conseguiu colocar nessas canções a mesma energia das gravações anteriores, com muito mais técnica, e eu fiquei muito impressionado como Roberto canta espetacularmente bem essas músicas. * Como foi feita a escolha do primeiro single do CD Acústico, com a música “Todos estão surdos”, dias depois do atentado das Torres Gêmeas nos Estados Unidos? "MM" – Em todos os discos que já produzi do Roberto Carlos eu sempre participei do single para o primeiro trabalho nas rádios, mas como não participei da produção deste CD não posso falar sobre essa escolha. Sei que Roberto não gostou de terem usado a sua música com imagens do atentado de 11 de setembro nos Estados Unidos. Eu me lembro que estávamos no estúdio e vimos na televisão “Todos estão surdos” como fundo musical das imagens da guerra. Roberto não ficou nada satisfeito e até comentou que o lançamento da música naquela época tinha sido uma casualidade e não era aquilo que ele queria. Com certeza poderia parecer uma coisa oportunista, o que não foi, de jeito nenhum, até porque o Roberto não precisa disso para se promover. * Você tem alguma participação no DVD do Acústico? "MM" – A participação que tenho no DVD é apenas na trilha sonora, naquilo que eu ajudei a mexer no disco. O DVD é o disco com imagem. O que foi ajustado no disco não vai interferir em nada na imagem. Isso prova que o Roberto Carlos apenas fez uns ajustes em estúdio, e que não regravou o disco, como chegou a ser publicado. Uma das preocupações do Roberto quanto a não mexer na sua voz foi exatamente para não prejudicar o DVD. Se a sua voz fosse mexida, como iríamos equilibrar o som com a imagem? * Qual a importância de um projeto Acústico MTV na carreira de Roberto Carlos? "MM" – O Acústico MTV tem uma repercussão mundial. Artistas de todo mundo participam desse projeto da MTV sendo ele, portanto, mais um marco na carreira de Roberto Carlos. Qualquer artista se sente honrado em participar de um projeto como este. * Pela primeira vez eu o entrevisto em sua casa, aqui em Guapimirim, nesse lugar cercado de muito verde e animais. Aqui já surgiram muitos sucessos gravados por Roberto Carlos? "MM" – Sem dúvida, mas não existe um lugar determinado para se fazer música. Até mesmo na estrada ou na rua surgem canções. A inspiração vem quando menos se espera. Mas já fiz muitas músicas aqui em minha casa. * Você já tem alguma música pronta para mostrar para o Roberto? "MM" – Eu já tenho umas três composições, mas ainda estão sem letra. Tenho apenas a melodia. Eu quase sempre faço assim, só mostro as melodias para o Roberto e ele escolhe a que mais gosta, depois um procuro um parceiro para a letra. Algumas vezes ele mesmo sugere o parceiro. Já mostrei a ele canções com letras, mas a grande maioria das que lhe mostro só tem a melodia. * Vocês já começaram a conversar sobre o CD do final do ano? "MM" – Ainda não, mas já está na hora. Agora no início de junho deveremos nos encontrar para começar a escolher músicas, repertório, as suas próprias canções e possíveis parcerias com o Erasmo. Acredito que neste mês já deveremos iniciar os trabalhos. "justify"> |