NENÉO
entrevista concedida a Carlos Eduardo F.Bittencourt para o
Grupo Um Milhão de Amigos

03.09.1999




Depois de várias tentativas conseguimos entrevistar Nenéo.
Autor de três músicas gravadas por Roberto Carlos nas décadas de 60, 70 e 90,
ele tem muitas histórias para nos contar desde o dia em que conheceu o nosso Rei.

* Como foi o início de sua carreira e quando você se interessou pela música?
"N" – Eu morava no Morro do Borel, na Tijuca, e meu pai era compositor da Escola de Samba Unidos da Tijuca. Desde criança admirava ver meu pai fazendo samba e passei a me interessar por música. Um dia também fiz um samba para a escola, e ele acabou sendo premiado e foi enredo da Unidos da Tijuca no carnaval daquele ano. Foi a primeira vez que fiz uma música.

* A partir de quando você começou a compor para cantores populares?
"N" – Eu sempre fui um grande admirador de Roberto Carlos e o imitava em tudo, apesar de ser negro e ele branco. Como gostava muito do estilo dele, comecei a fazer canções populares. Eu me lembro que quando ele gravou “Quero que vá tudo pro inferno” eu gostei tanto da música que fiz uma parecida, que se chamava “Para o diabo com o conselho de vocês”, gravada pelo Paulo Sérgio. Tempos depois eu mostrei essa música para o Roberto, que achou muita graça da imitação. Essa música foi gravada depois pelo Erasmo Carlos. Também foi o Paulo Sérgio quem gravou a minha primeira música popular, “Se você voltar”, que fez um enorme sucesso. Naquela época eu mostrava as músicas para o Paulo Sérgio porque ainda não tinha acesso ao Roberto Carlos e Paulo Sérgio tinha um estilo de cantar muito parecido com o do Roberto.

* Você chegou a participar da Jovem Guarda?
"N" – Não, eu só acompanhei a Jovem Guarda pela televisão. Naquela época eu ainda não fazia música.

* Você chegou a gravar algum disco?
"N" – Eu tenho até vergonha de dizer que gravei um disco, mesmo tendo feito sucesso com “Ponta e faca” e “Que saudade de você”, que foi até disco de platina. Mas eu tenho vergonha de falar que cheguei a gravar porque não gosto de cantar, não gosto da minha voz. Eu cheguei a ser contratado pela RCA Victor e até ganhei algum dinheiro, mas eu sempre preferi compor do que cantar.

* Como era esse imitar Roberto Carlos de que você falou?
"N" – Eu o imitava em tudo. Lembro-me que no Morro do Borel havia uma rádio comunitária, a PRK-30. Eu cantava as minhas músicas no show do Jorge Neto, imitando o Roberto Carlos. Consegui até algumas namoradas. Seguia procurando fazer minhas músicas parecidas com as dele, mas sem o talento dele, é claro. Eu tinha uma vontade enorme de mostrar minhas composições para ele.

* Como foi o seu primeiro contato com Roberto Carlos?
"N" – Foi na TV Tupi, onde Roberto gravava um programa. Eu trabalhava num laboratório de prótese dentária na Praça Saenz Peña, na Tijuca, e o meu chefe, que sabia que eu gostava muito do Roberto, me incentivava a mostrar minhas músicas para ele, na tentativa de ele vir a gravá-las. Eu já tinha ido quatro vezes à televisão, mas nunca me deixavam entrar. Até que um dia eu perdi a paciência com o segurança. A porta estava lotada de fãs que também queriam entrar no estúdio. Então eu pensei: vou furar a segurança e começar a correr. O segurança não vai poder correr atrás de mim porque se ele sair da porta todo mundo vai entrar. Foi o que aconteceu. Eu passei pelo segurança e cheguei até o camarim onde o Roberto estava se maquiando. Quando o vi eu falei que era o Nenéo que teve músicas gravadas pelo Paulo Sérgio. Consegui falar um pouco com Roberto, que até me convidou para ver a gravação do programa. Sentado na platéia, fiquei super feliz quando ele entrou no ar e falou que eu estava presente ali. Depois da gravação eu mostrei a ele a música “Quero ter você perto de mim”.

* Foi nesse dia que ele decidiu gravá-la?
"N" – Não, ele só decidiu gravá-la no dia em que estive com ele no Alto da Boa Vista, onde ele filmava “Roberto Carlos e o diamante cor-de-rosa”.

* Como foi esse encontro?
"N" – Certo dia descobri o endereço da Wanderléa e fui até a casa dela. Ali soube que ela estava no Alto da Boa Vista, filmando. Fui até lá e falei com ela, que me levou até o Roberto. Ele até brincou comigo me chamando de Nenéo Sérgio, por causa das músicas gravadas pelo Paulo Sérgio. Só que falou diversas coisas e eu não conseguia falar nada, só ficava olhando para ele. Depois, sozinho num canto, chorei muito e agradeci a Deus por aquele encontro com o meu ídolo.

* Hoje você já se sente à vontade com Roberto Carlos?
"N" – Não, eu nunca consegui ficar à vontade perto dele. Parece que alguma coisa me trava, me pára. Fico sem ação, só olhando, sem falar nada, Parece que eu quero pegar um pouco da energia que ele nos passa. É difícil ficar à vontade perto de Roberto Carlos.

* Como foi essa decisão de gravar “Quero ter você perto de mim”?
"N" – Eu voltei a mostrar a música a ele nesse encontro no Alto da Boa Vista. Além de “Quero ter você perto de mim”, que já tinha sido gravada pela Marisa Fabiana, eu também mostrei mais duas músicas, que agora não me lembro quais foram. Roberto gostou de “Quero ter você perto de mim” e de uma outra. Só no estúdio é que ele decidiu gravar “Quero ter você perto de mim”. Eu estava no estúdio quando ele gravou e foi a primeira grande emoção da minha vida. No final, eu chorava na técnica e Roberto no estúdio.

* Que importância tem essa música na sua carreira?
"N" – Tem a maior importância, porque foi a minha primeira música gravada pelo Roberto Carlos. Todo compositor no Brasil, independente de quem seja, sonha ter uma música gravada pelo Roberto, e eu tinha conseguido. Por causa disso passei a ser respeitado, as pessoas começaram a ouvir minhas canções, a olhar meu trabalho com atenção. Foi com essa canção e principalmente por causa do Roberto Carlos que até hoje eu vivo e sustento a minha família com a música.

* Como foi ouvir pela primeira vez uma canção sua cantada pelo Roberto Carlos?
"N" – Foi uma emoção especial, sem dúvida, mas nunca vai haver emoção maior do que a do dia em que Roberto Carlos a gravou. No dia em que ele colocou a voz guia, que não é a voz original da gravação, foi a maior emoção que tive em minha vida. Não dá para descrever o que senti, principalmente quando eu vi Roberto chorando depois de cantar. Foi uma choradeira geral. O Evandro Ribeiro, produtor do disco, até brincou falando que era feio ver crioulo chorando. Além de tudo, a gravação de Roberto Carlos ficou maravilhosa.

* A letra de “Quero ter você perto de mim” foi mexida por Roberto Carlos?
"N" – Não, é a mesma letra e também a mesma melodia gravada pela Marisa Fabiana.

* Depois dessa gravação você passou a ter um contato maior com ele?
"N" – Não, porque Roberto Carlos sempre foi uma pessoa muito ocupada e por isso eu não gosto de ficar incomodando. Eu prefiro me encontrar com ele apenas nos momentos de trabalho, quando vou mostrar minhas músicas, na época da gravação de seus discos. Meu acesso ao Roberto é tão difícil como o de um fã, mesmo que o fato de eu ser conhecido facilite um pouco as coisas.

* Depois de “Quero ter você perto de mim” veio a sua parceria com o Fred Jorge em “O dia a dia”. Antes dessa gravação você chegou a mostrar alguma música a Roberto?
"N" – Cheguei, mas não foram gravadas. Não era o que ele queria. Nós sabemos que ele é muito cuidadoso com sua carreira e que só grava o que sente no coração. E por isso que ele é sucesso há tanto tempo. “O dia a dia” eu mostrei a ele no Copacabana Palace, mas o Roberto perdeu a fita e, então, eu peguei um ônibus e fui a São Paulo levar outra cópia.

* E como foi esse encontro em São Paulo?
"N" – Eu cheguei no domingo a São Paulo e no mesmo dia fui até o escritório do Marcos Lázaro, que era na época seu empresário. Para minha decepção a secretária, dona Constância, disse que o Roberto estava em Brasília e que só chegaria na terça-feira. Como eu queria entregar a fita pessoalmente, fiquei por lá. Como estava com pouco dinheiro tive que alugar um quarto num hotel de terceira categoria, da pior qualidade. Mesmo assim o dinheiro acabou e eu não tinha como pagar o hotel. Na terça-feira, no dia e que ele voltaria de Brasília, fui até o aeroporto esperá-lo. Entreguei a fita e Roberto marcou um encontro no escritório para o dia seguinte. Eu disse que tinha que voltar para o Rio porque não tinha mais dinheiro nem para pagar o hotel. Então ele me deu dinheiro para pagar a conta. No dia seguinte, quando cheguei ao escritório, dona Constância disse que Roberto havia pedido para eu o esperar. Aí fiquei na expectativa porque ele devia ter boas notícias. Quando ele chegou disse que tinha gostado de duas músicas e que iria escolher uma para gravar, mas pediu que eu escrevesse as letras porque só tinha entregue uma fita k-7. Uma das músicas era “O dia a dia”, a outra não me lembro qual era. Como não ando de avião, ele me deu dinheiro para pegar o ônibus de volta para o Rio. Fiquei na expectativa para saber qual das músicas ele iria gravar.

* Como você soube da escolha?
"N" – Já tinha se passado cerca de quinze dias quando, por volta das duas horas da manhã, o telefone tocou. Era o Roberto, que estava nos Estados Unidos, falando que iria gravar “O dia a dia”, mas queria que eu mudasse a letra, que colocasse uma letra para criança. Eu fiquei sem saber o que fazer, pois a letra era tão séria que qualquer mudança iria descaracterizar totalmente a canção. Mas, como ele pediu e eu não podia perder a oportunidade de ter outra música gravada por ele, eu não tinha outra saída. Ele só me deu cinco dias para fazer a mudança. Eu não conseguia achar uma letra de criança. Eu já estava quase desistindo quando Roberto me ligou dizendo que não precisava mudar porque ele iria gravá-la do jeito que estava. Depois Roberto passou o telefone para Nice, que me falou: “Nenéo, a tua música está de chorar, de chorar!” Nunca mais me esqueci essa conversa com a Nice.

* Depois de “O dia a dia” veio “Hoje é domingo”, em 1993.
] "N" – Essa música é uma parceria minha com o Dalmo Belote, um grande parceiro, uma pessoa formidável. Eu entreguei essa fita na casa do Roberto e fiquei agoniado porque não tinha nenhuma resposta se ele iria gravar. É sempre assim, todo compositor que manda música para Roberto Carlos fica sempre na agonia porque ele não fala nada até sair o disco. Isso não acontece com nenhum outro cantor; só com ele. Um dia resolvei ir até a sua casa para saber se tinha gostado da música, e ele começou a falar: “vazou, vazou”. Quando disse isso não tive nenhuma dúvida de que iria gravar “Hoje é domingo”. Mas ninguém tinha me contado nada; apenas fui até lá perguntar se ele tinha gostado. Naquele dia Roberto ainda me pediu para colocar na letra alguma passagem falando sobre secretária eletrônica. Só que acabou desistindo e acabou gravando assim mesmo.

* Conte um pouco da história dessa música.
"N" – A letra foi feita para a minha mulher, na época em que namorávamos. O pai dela é muito religioso e só permitia que namorássemos no domingo. Eu ficava contando os dias da semana na espera que o domingo chegasse para me encontrar com ela.

CE – Você se lembra quando Roberto foi ao programa Sílvio Santos receber o Troféu Imprensa e o Sílvio colocou a sua música?
"N" – Lembro-me sim. Todos sabem que o Roberto tem um contrato de exclusividade com a Globo e pouco aparece nas outras emissoras. Sílvio Santos ficou aguardando muito tempo até que Roberto fosse ao seu programa receber o troféu. Quando ele foi colocaram a gravação de “Hoje é domingo”, e a letra fala exatamente disso: eu passei por cada dia da semana esperando esse domingo! Quando Roberto ouviu, falou: “É do Nenéo”. Só que não se lembrava da letra.

* Como é o seu processo de composição?
"N" – É o mais diferente possível. Eu posso compor em qualquer lugar, com ou sem barulho, nada me atrapalha. Gosto muito de fazer músicas no trem, dirigindo, andando na rua a pé. Eu não tenho uma rigidez para fazer música. Recordo bem que um dia peguei um trem na Central do Brasil para ir até Japeri e consegui fazer uma música que cheguei a mostrar ao Roberto, só que ele não gravou. Era “Reencontro”, que foi gravada pelo Márcio Greyck.

* O que você destaca no Roberto Carlos compositor?
"N" – Eu o acho o maior compositor romântico de todos os tempos. Com todo respeito aos outros, nenhum compositor falou de amor como Roberto Carlos. Nunca ouvi ninguém falar o que eu queria ouvir como Roberto fala. Não vejo nos outros a sensibilidade para fazer duas ou três músicas, mas não conseguem fazer centenas de músicas românticas como Roberto. Parece que tudo o que a gente quer ouvir sai da voz do Roberto Carlos. É o maior compositor romântico desse país em todos os tempos.

* Qual a importância dele na música brasileira?
"N" – Ele é um exemplo para todos. É claro que alguns o contestam, mas ninguém nesse mundo conseguiu agradar a todos. A importância dele na música brasileira pode ser notada nos dias de hoje, com os grandes nomes da MPB gravando suas músicas. São monstros sagrados da música brasileira que estão gravando suas composições. Negar a importância de Roberto Carlos, só se quiser mentir.

* Que música sua Roberto iria gravar no disco do ano passado?
"N" – Sinceramente, até hoje eu não sei. Eu mandei algumas composições e soube que uma delas tinha sido selecionada para entrar no disco mas como ele gravou poucas músicas inéditas no CD de 98 ela acabou ficando de fora.

* E para este ano, você vai mandar alguma composição?
"N" – Nos próximos dias eu vou mandar algumas músicas e ficar torcendo para que ele escolha alguma para colocar no próximo disco. Se Deus ajudar e a música bater com a sua sensibilidade, com certeza será outra emoção em minha vida. Eu iria ficar muito feliz, muito contente.

* O que mudou no Roberto Carlos de 1968, quando você o conheceu, para hoje?
"N" – Amadurecimento. Mas aquele ar de garotão ele nunca vai perder. Ele sempre acompanha a época que vive, o que se passa no mundo, por isso está fazendo sucesso esse tempo todo. Roberto acompanha o progresso, a evolução da música, e evolui junto. Muitas pessoas não souberam entender isso, só vão entender muito depois. Roberto Carlos nunca deixou de observar a sensibilidade das pessoas e só passa para os outros as coisas boas. O resultado é que ele até hoje é o artista mais respeitado do país.

* Que exemplo Roberto Carlos lhe passa no seu processo de composição?
"N" – Quando faço uma música eu sempre penso em como Roberto Carlos a gravaria. Quando coloco determinadas palavras eu penso se ele falaria aquilo, que caminho ele tomaria naquela melodia, coisas assim. Não importa quem vai gravar a canção. Até mesmo alguns pagodes que tenho feito eu pensei como ficariam na sua voz. É como se eu estivesse ouvindo Roberto cantando no meu ouvido.

* Qual música de Roberto Carlos você gostaria de ter feito:?
"N" – Todas, mas se tivesse que escolher uma ficaria com “Meu querido, meu velho, meu amigo”. Eu vejo o meu pai nessa letra. Ele foi um cara fantástico e por eu ser o filho mais velho, ele tinha um grande carinho por mim. Eu me lembro dessa canção quando comecei a observar os cabelos dele, que iam embranquecendo. Essa é a música que fala exatamente o que eu gostaria de ter falado para meu pai.

* Você vê diferença nas músicas do Roberto Carlos ao longo de todas essas décadas?
"N" – Eu gosto de todas as fases dele e até sou suspeito para falar porque sou um grande fã dele. Todas as músicas têm letras muito bem elaboradas, até mesmo as canções como “Mulher pequena” e “Coisa bonita”, que são muito criticadas pela mídia mas que são muito bem feitas. Observe as palavras, o tempo de verbo que ele usou para “Coisa bonita”. É uma música linda. Qual a gordinha que não ficou feliz ao ouvir aquela canção? Ao longo desses anos Roberto passou por várias fases, várias épocas, e sempre soube aproveitar cada ocasião. Quando Roberto fez “Coisa bonita” eu também fiz uma música para as gordinhas, mas eu soube que ele tinha feito essa canção e desisti de mostrar a música para ele. Se ele não tivesse feito “Coisa bonita” eu teria mostrado a minha, não tenho dúvida. Não vejo nada demais em se fazer músicas comerciais. Vender muito é uma arte, e poucos conseguem isso.

* Como você define Roberto Carlos?
"N" – Eu me lembro de um dia em que encontrei Roberto e quando cheguei perto ele foi logo perguntando onde estavam as músicas. Mas naquele dia eu disse que não tinha ido entregar nenhuma música, que estava ali apenas para vê-lo. Eu queria apenas estar perto dele, pegar a sua energia, a sua luz, e ir embora. Como sempre acontece ele ficou logo encabulado, desconcertado. Roberto Carlos é assim. A maior parte do país agradece a sua existência, e eu disse isso para ele. Sei que muita gente gostaria de dizer mas não tem oportunidade. Roberto é isso, uma luz. Se ninguém conhecesse Roberto Carlos e ele aparecesse diante de qualquer pessoa, com certeza essa pessoa falaria que ele era alguém muito importante. Ele sabe disso.

* Você acha mesmo que ele tem essa consciência?
"N" – A gente tem que ver o seguinte: Roberto é uma pessoa bastante tímida, e uma pessoa passar o que ele passa tem que ser tímida mesmo. Todo gênio é tímido, e Roberto não é diferente. Mas acho que Roberto não tem consciência da importância que ele tem para seus fãs. Ele sabe, mais ou menos, o que representa, mas não tem uma consciência plena. E tomara que ele nunca a tenha, porque assim é que ele vai continuar passando para a gente todas essas coisas bonitas que ele passa.

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