PAULO SÉRGIO VALLE
entrevista concedida a Carlos Eduardo F.Bittencourt para o
Grupo Um Milhão de Amigos

27.07.1997




Depois da entrevista com Eduardo Lages, chegou a vez de seu parceiro Paulo Sérgio Valle.
Ele nos fala da emoção de ter tantos sucessos gravados por Roberto Carlos e nos dá sua opinião sobre o Rei.
Paulo Sérgio Valle começou na música há cerca de 30 anos, junto com seu irmão, Marcos Valle.
Logo no início ele se interessou pelas letras, enquanto seu irmão se dedicou mais às melodias.
Os dois fizeram parte da Bossa Nova
e tiveram inúmeros sucessos gravados por Johnny Alf, Elis Regina, Os Cariocas, dentre outros.
Paulo Sérgio e Marcos Valle também são autores de várias trilhas sonoras de novelas.
E muito mais ele tem a contar e nos conta agora.

* Você chegou a participar do “Jovem Guarda”?
"PSV" – Não. Na época havia dois programas na TV Record: “Jovem Guarda”, com Roberto, Erasmo e Wanderléa, e o “2 na Bossa”, comandado por Elis Regina e Jair Rodrigues. Naquela época havia até uma rivalidade entre os dois movimentos, coisa típica de garotos. Mas no final éramos todos amigos; a rivalidade era apenas para saber quem conseguia maior audiência.

* Você começou com a Bossa Nova e hoje faz músicas românticas e populares; isso gera muitas críticas da imprensa.
"PSV" – Em primeiro lugar, não dou muita importância às críticas. Para mim o que interessa é a opinião do público. Se eu for fazer música para crítica certamente agradarei a duas ou três pessoas mais o povo não vai gostar. Entretanto devo reconhecer que alguns críticos elogiam muito meu trabalho, gostam das minhas músicas e dizem que consegui atingir uma linguagem popular. Na minha cabeça isso foi uma vitória, porque eu era um compositor de Bossa Nova, que foi um movimento muito rico musicalmente mas com um público restrito. E eu sempre quis fazer música para o grande público. Ter começado a compor para Roberto, para a Joanna e para o José Augusto foi uma grande vitória. Acho que foi aí que iniciei realmente minha carreira de compositor.

* E como começou a sua parceria com o Eduardo Lages?
"PSV" – Eu já o conhecia de um festival de música que havíamos participado. Na hora eu achei interessante porque apesar de ser muito jovem Eduardo já era um excelente maestro. Nós éramos restritos a alguns instrumentos, um piano, um violão, uma flauta, mas o Eduardo tinha um horizonte muito maior, dirigir uma orquestra, um negócio fantástico. Ele gostava das minhas composições e me convidou para tentar fazer uma música para o Roberto Carlos.

* E qual foi a sua reação?
"PSV" – Achei a ideia fantástica mas achava muito difícil fazer parte do disco do Roberto. É um disco muito disputado e além das músicas dele e do Erasmo ele recebe inúmeras composições de outros músicos. Tentamos fazer uma canção bonita e conseguimos emocionar o Roberto.

* “Às vezes penso” foi a primeira música que vocês enviaram para Roberto Carlos?
"PSV" – Foi nossa primeira tentativa mas apesar de ter sido a primeira vez que fizemos uma música para ele e logo termos entrado no seu disco, não foi fácil. O que houve foi que Eduardo e eu tínhamos uma grande experiência de música e gostávamos, como gostamos, muito do Roberto. Na época sabíamos qual seria o estilo do disco. Assim, fizemos uma música que agradou.

* O fato de Eduardo Lages ser maestro do Roberto Carlos facilita as coisas?
"PSV" – Não facilita em nada. Não existe nenhum privilégio para a gente. A única vantagem é que o Eduardo pega a fita e entrega direto nas mãos do Roberto. No mais não existe compromisso nenhum. Todas as vezes que fazemos uma música para ele é uma tensão enorme. Geralmente a entregamos em agosto e ficamos tensos sem saber se será gravada. Nunca tive coragem de perguntar.

* Segundo Eduardo Lages, Roberto mexeu muito na letra e na melodia de “Às vezes penso”. Que mexidas foram essas?
"PSV" – As mexidas que o Roberto faz são sempre naturais. Sinceramente, não me lembro bem em que ele mexeu. Como é um bom compositor e um excelente letrista, ele pega uma frase e coloca a situação que a gente disse do jeito dele. É o seu discurso como cantor, e acho que ele está absolutamente certo, pois, quando canta e fala “eu”, a gente percebe logo que esse “eu” é ele, Roberto Carlos. É diferente de outros cantores que às vezes têm um distanciamento daquilo que cantam. O personagem que Roberto está cantando se confunde com ele mesmo.

* Como funciona a parceria Paulo Sérgio Valle/Eduardo Lages?
"PSV" – Primeiro o Eduardo faz a música. Quando se faz a letra primeiro o compositor sai perseguindo a letra com a música, e geralmente a música perde a intuição e começa a ficar meio artificial. Às vezes uma frase fica grande demais para a letra, às vezes fica pequena demais. É muito difícil fazer uma letra para depois musicar. Então fica muito mais bonito o Eduardo fazer toda a melodia e depois eu colocar a letra. Fica mais coerente. Agora, isso não impede que eu dê uma mexida na melodia ou ele altere algo na minha letra. Afinal, a parceria é uma criação coletiva.

* Qual a sua música preferida das que Roberto gravou da dupla?
"PSV" – “Cenário”. Nós tivemos a preocupação de fazer uma música meio teatral e que tivesse muito a ver com a vida do Roberto. Também gosto muito de “Nunca te esqueci”. Acho Roberto Carlos uma personalidade fascinante. É incrível que uma pessoa passe tanto tempo fazendo sucesso. Isso seduz. Você vê que ele domina completamente o público em seu show. Foi desse domínio que ele tem do palco que veio a ideia de “Cenário”.

* Acho a mensagem de “Cenário” muito parecida com a de “Emoções”. Você concorda?
"PSV" – Olha, pode ser que subconscientemente a gente tenha se baseado na mensagem de “Emoções”. A verdade é que as duas músicas são bem representativas do que um artista sente no palco. Não partimos dessa ideia mas o tema é o mesmo.

* Vocês começaram praticamente na mesma época. Como você vê a trajetória de Roberto Carlos na nossa música?
"PSV" – Fico impressionado com a capacidade que Roberto tem de emocionar o público. Para mim ele é um cara iluminado. Não há dúvida... Essa energia, esse magnetismo que ele tem... Poucos artistas no mundo conseguiram ficar tanto tempo fazendo sucesso. Talvez só mesmo o Frank Sinatra, que tem muito mais idade que ele. Acho que Roberto ainda vai mais longe.

* Você já teve músicas gravadas por nomes importante da MPB mas ter músicas gravadas pelo Roberto Carlos dá uma importância maior à sua carreira?
"PSV" – É o disco mais importante para mim, é o que espero com mais ansiedade todos os anos. Ainda hoje muitos cantores gravam minhas músicas mas nenhum me deixa com uma expectativa tão grande como o Roberto. Quando chega na época de ele gravar a tensão é enorme. Para mim é a vitrine, porque é um disco de qualidade e um músico que atinge todas as camadas sociais.

* Você e Eduardo já fizeram alguma música para Roberto gravar este ano?
"PSV" – Já está pronta. A fita está com o Eduardo e já deve ter sido entregue ao Roberto. A música é muito bonita e estamos apostando muito nela. Por isso só enviamos essa música para ele. Geralmente mandamos uma, no máximo duas para ele gravar. Não adianta mandar muitas canções. Preferimos nos concentrar em uma só e trabalhar bem nela.

* Vocês costumam modificar alguma coisa na música a pedido do Roberto?
"PSV" – Acontece de tudo. Já aconteceu de ele não ter gostado e não querer gravar. Como falei, às vezes ele mexe em alguma frase, colocando no seu estilo. Há casos em que logo de primeira ele se emociona e resolve logo que vai gravar.

* Houve alguma música que Roberto não tenha gravado mas que você tenha gostado?
"PSV" – No ano que fizemos “Confissão” enviamos outra de que eu gostava mais. Mas Roberto não gostou e preferiu ficar com “Confissão”.

* Roberto Carlos explica porque não vai gravar determinada música?
"PSV" – Não, e também não perguntamos. Às vezes quando ele pede para mudarmos alguma coisa na música, alguma palavra que ele não gostou, é sinal e que ele está interessado em gravar a canção. Mas quando ele dispensa a música só nos restam duas soluções: tratar de fazer outra e esperar o disco seguinte.

* Qual a música que deu mais trabalho para colocar a letra?
"PSV" – Foi “Cenário”. Foi complicada. Tentamos fazer uma música teatral e que tivesse a ver com a vida artística do Roberto, e isso foi bastante complicado. Também queríamos retratar na música e na letra esse charme dele, suas experiências de vida.

* Que música de Roberto Carlos você gostaria de ter feito?
"PSV" – “Café da manhã”. Ele conseguiu falar de coisas bonitas, poéticas e populares de uma forma emocionante.

* Como você vê as letras do Roberto Carlos?
"PSV" – Ele é um excelente letrista. Tive o privilégio de ter feito algumas músicas com ele para o musical infantil “O sonho de Alice”. Foram umas três músicas. Eu ia para a casa dele, trabalhávamos altas horas da noite, de madrugada. Lembro-me que naquela época ele fumava cachimbo, e eu fumo ainda hoje. Mas a parceria só ficou nisso. Ele tem o velho parceiro dele, Erasmo Carlos, uma dupla que vem dando certo há bastante tempo.

* Qual a importância da Jovem Guarda?
"PSV" – Na época não se tinha uma visão exata da sua importância. Parecia ser apenas mais um movimento da música popular, sem qualquer comprometimento. Com o passar do tempo a música, de uma maneira geral, perdeu as conotações políticas e ideológicas e passou a ser uma coisa visando somente emocionar e alegrar as pessoas. Foi aí que começamos a ver a importância da Jovem Guarda, que plantou sementes. Muita gente ainda se inspira no movimento. Você vê o sucesso dela nas regravações em CD feitas no ano passado produzidas pelo Márcio Antonnucci. Como já falei, na época o pessoal da Bossa Nova tinha um grande preconceito contra a Jovem Guarda mas hoje muitos compositores vêm o movimento de outra maneira, como importante e popular e que emocionava as pessoas.

* Como você vê Roberto Carlos no palco?
"PSV" – É fantástico. Ele domina as pessoas completamente. É impressionante. Roberto sabe o momento de falar, o momento do silêncio. Cantando, ele sabe o momento em que tem que carregar mais na música, o momento da pausa. As pessoas ficam emocionadíssimas quando o vêem no palco cantando porque ele sabe tudo!

* Você se encontra frequentemente com Roberto Carlos?
"PSV" – Eu gosto muito dele, sou seu amigo há mais de 30 anos, mas não nos vemos com frequência. A última vez que nos vimos foi no casamento da filha do Eduardo. Na ocasião ficamos na mesma mesa, e ele chegou a brincar comigo. É que tenho o hábito de dormir cedo, e já estava ficando tarde. Ele dizia que se eu fosse embora não gravaria mais minhas músicas. Naquela noite conversamos muito, por horas e horas, recordamos muitas coisas. Foi muito gostoso. Roberto me passa uma coisa muito boa; gosto muito de conversar com ele.

* Como você define Roberto Carlos?
"PSV" – É uma pessoa iluminada que me impressiona muito. Sua religiosidade e todo esse sentimento que ele tem e deixa transparecer me impressionam muito. Roberto é uma pessoa encantadora. É uma pessoa maravilhosa, iluminada.

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