RENATO BARROS
entrevista concedida a Carlos Eduardo F.Bittencourt para o
Grupo Um Milhão de Amigos

22.09.1996




Renato Barros é de uma geração de músicos que encantou todo o Brasil com a Jovem Guarda.
Seu nome está muito ligado à carreira de Roberto Carlos.
Além de fazer parte do conjunto “Renato e Seus Blue Caps”,
ele teve muitas músicas gravadas por Roberto Carlos nos anos 60 e 70,
e participou de diversos de seus discos.
Renato Barros nos conta como tudo começou.

"RB" – Minha mãe foi cantora da Rádio Nacional, nos tempos da Emilinha Borba e da Marlene, e desde cedo me acostumei com música em casa. Não só eu mas também meus irmãos Paulo César e Ed Wilson, que também são músicos. Quando eu era menino e morava na Piedade, todos os sábados minha mãe, meus tios e seus amigos formavam uma roda de samba. Em 56 ou 57 começamos a assistir a shows de conjuntos de rock na minha rua, até que um dia meu pai combinou com os organizadores de um show no Esporte Clube Oposição, que ficava na Avenida Suburbana, para nos chamarem de surpresa. Foi aí que tudo começou.

* Quem fazia parte do conjunto?
"RB" – No princípio, eu, meus dois irmãos e meu primo Carlinhos. Depois entraram mais colegas de rua, e o conjunto chegou a ter 12 pessoas.

* E aí veio o sucesso?
"RB" – Bem, depois desse show no Esporte Clube Oposição, que foi um grande sucesso, os colegas da rua nos incentivaram a participar do “Clube do Guri”. Só que naquela época a gente achava o “Clube do Guri” meio careta; hoje vejo que estava enganado. O trabalho que o Coli Filho fazia era muito importante, pois muitos artistas foram lançados lá. Decidimos participar de outro programa, o “Hoje é dia de rock” que, para mim, foi onde começou todo o movimento da Jovem Guarda. E lá fomos nós, eu com meus 14 anos, o Ed Wilson com 13, e o Paulo César com 12 anos. Mas demoramos tanto a ir que chegamos a tirar da cabeça a ideia do conjunto. Até que um dia, passando pela Avenida Rio Branco, vi uma fila enorme para inscrição para o programa e resolvi me inscrever. Só que participamos da parte de mímica e foi um tremendo fracasso. Quando chegamos na nossa rua foi aquela vaia!

* Vocês já se apresentaram com o nome de “Renato e Seus Blue Caps”?
"RB" – Não. Quando o Jair de Taumaturgo perguntou o nome do conjunto me lembrei de um bloco de carnaval da rua, “Bacaninhas da Piedade”, mas o Jair não gostou e sugeriu “Bacaninhas do Rock da Piedade”. O fracasso foi tão grande que resolvemos voltar e provar nosso valor, então como conjunto ao vivo. Aí foi um tremendo sucesso. Foi então que o Jair de Taumaturgo, lembrando-se da banda “James Vicent e Seus Blue Caps” nos batizou assim.

* Quando Roberto entrou nessa história?
"RB" – Naquela época todo mundo procurava uma chance da mesma forma e o Roberto também participou desses programas. Conheci o Erasmo no Bar Divino, na Tijuca, e ele entrou para o nosso conjunto, onde ficou uns dois anos, chegando a participar do nosso primeiro LP. Nessa época havia o programa do Carlos Imperial e nós acompanhávamos o Roberto. Ele ficava aborrecido porque cantava a música “Olhando estrelas”, versão de “Look for Star”, do disco “Louco por você”, que tinha uma harmonia muito difícil, e nós tínhamos dificuldade de pegar a harmonia. Eu fazia um acorde que não tinha nada a ver e o Roberto ficava uma fera. Foi assim que nos conhecemos.

* Vocês só acompanhavam o Roberto no programa do Imperial?
"RB" – De vez em quando ele nos chamava para tocar nos shows que fazia no subúrbio. Os que tocavam era o Paulo César no baixo, o Gelson na bateria, e eu. Até que um dia nos chamaram para tocar no disco do Roberto.

* Como foi esse convite?
"RB" – Os detalhes eu não me lembro direito. Só sei que o Roberto gravou “Louco por você” com a orquestra da CBS, que era excelente. Era uma orquestra do maestro Astor, que tinha formação clássica e não estava acostumada com o rock. Com certeza nós entendíamos de música muito menos do que eles mas tínhamos um som direcionado para os jovens, e o Roberto batalhava muito para gravar com a garotada.

* Qual a primeira música que vocês gravaram?
"RB" – Foi a música que mais tocou no disco, “Splish, splash”. Parecia um sonho mas estávamos lá, eu com minha guitarra toda arrebentada e meu amplificador cheio de rame, e meu irmão Paulo César com o baixo dele. Me lembro que antes de o disco sair ouvimos “Splish, splash” em todas as salas da CBS, todo mundo achava o som maravilhoso e a música foi um estouro!

* A partir daí vocês começaram a gravar em todos os discos?
"RB" – A partir dessa época o Evandro Ribeiro assumiu a direção da CBS e passou a produzir os discos do Roberto Carlos. Passamos a dividir com um outro conjunto, “The Youngsters”, cada conjunto gravando uma média de seis músicas. Isso foi até o disco de 1970. A partir de 71, Roberto passou a gravar nos Estados Unidos e o único músico que acompanhava era o meu irmão Paulo César.

* Como foi gravar “Jesus Cristo”, a primeira musica religiosa?
"RB" – Eu me lembro perfeitamente da gravação dessa música. A gente estava tocando mas o resultado não agradava ao Roberto. Ele queria um pianista que tirasse o som daqueles músicos negros americanos e também queria um coro bem Godspel. Ele não tirava isso da cabeça, foi difícil encontrar músicos desse tipo.

* De tantas músicas que vocês gravaram juntos, há alguma especial?
"RB" – Tenho lembranças de uma música minha, “Você não serve prá mim”. Foi muito engraçado. Fiz essa música para Roberto gravar, só que não queria mostrar para ele com medo de receber um não. Um dia estava no estúdio e no intervalo de uma gravação comecei a cantar a música. Roberto perguntou que música era aquela e fez uma cara de quem não deu muita bola. Foi para outra sala. Minutos depois veio o Evandro Ribeiro perguntando que música era aquela que havia deixado Roberto encantado. Disse que era minha e que ia entrar no próximo disco da série “As 14 Mais”. Evandro disse para eu dá-la para o Roberto gravar que ela estouraria. Fiz um certo doce, disse que ia entrar no disco, mas estava doido que ela fosse gravada pelo Roberto. Ele a gravou, e foi um enorme sucesso, estourando em todo o Brasil.

* O fato de ser amigo de Roberto Carlos facilitou para que você tivesse músicas gravadas por ele?
"RB" – Não. Desde o início sempre foi uma grande dificuldade ter músicas gravadas por ele. Roberto Carlos só grava o que quer, independente de amizade.

* Ao todo foram cinco músicas suas que Roberto gravou.
"RB" – A primeira foi “O Feio”, uma parceria com Getúlio Cortes, que está no disco “Jovem Guarda”. Mas não foram somente cinco. Há uma que fiz e que não assinei; uma outra pessoa entrou como autor. Mas não vou falar o nome desse compositor e nem o da música.

* E a Jovem Guarda?
"RB" – Um movimento a ser lembrado mesmo daqui a 200 anos. Atingiu todas as classes sociais e foi responsável pela mudança do comportamento dos jovens do nosso país. As músicas falavam de amor. Era do que sabíamos falar, ao contrário dos cantores dos festivais que protestavam. Acho que o povo sempre quis mesmo ouvir canções românticas.

* Como eram os bastidores do programa?
"RB" – Uma grande festa, mas participei pouco. Eu era daqueles cariocas que achavam que o Brasil era o Rio de Janeiro e que não fazia sentido viajar todo domingo, deixar minha praia e os jogos do Flamengo para participar dos programas. Por isso sempre éramos os últimos que se apresentavam. Sempre chegávamos atrasados. Houve um lance curioso de que Roberto nem deve se lembrar: em um programa, a Wanderléa estava cantando e nós entraríamos a seguir. Roberto foi aos bastidores beber água e, quando olhou para os meus pés, viu que eu estava de tamanco. Aí disse: “Pô, está avacalhando o meu programa. Bota pelo menos um sapato”.

* Vocês participaram do início do programa?
"RB" – Não. O programa já estava no ar havia mais de um ano, e o nosso LP, “Viva a Juventude” já era sucesso no Rio e em São Paulo, com “Menina linda” às vezes liderando as paradas. Um dia estava em casa quando apareceu um rapaz me procurando para assinar o contrato e participar do programa. O meu pai me incentivou e, então, fomos para São Paulo. O estranho na demora para sermos chamados é que conhecíamos o Roberto, gravávamos com ele mas nunca havíamos sido chamados para o programa. Gostaria até de conversar com Roberto sobre isso.

* Por que vocês deixaram de gravar com o Roberto?
"RB" – Porque ele foi gravar nos Estados Unidos. Ele sempre foi muito perfeccionista e por isso se tornou rei da música popular brasileira. Era tão perfeccionista que às vezes se tornava chato. Mas ele adora conversar e se houvesse assunto o papo rolava horas. Com isso a CBS gastava muito dinheiro. Nos Estados Unidos não tinha isso.

* As gravações também demoravam meses?
"RB" – Sim, porque o Roberto sempre soube muito bem o que queria nas músicas, mas havia dificuldade de passar a ideia para a gente. Ou nós é que não entendíamos o que ele queria. Então, uma simples batida de bateria demorava horas para o baterista pegar. E assim em cada instrumento. Quando acertávamos e pensávamos que a gravação estava pronta ele fazia tudo de novo com um tom acima.

* Algumas músicas suas foram alteradas por Roberto Carlos?
"RB" – Ele alterou, por exemplo, “Você não serve prá mim”. Eu escrevi: “...não vejo mais razão, menina, para continuar”, e ele alterou para “...não vejo mais razão nenhuma para continuar”. São pequenas coisas que ele muda, mas ele é um cara abençoado, um poeta, e todas as vezes em que mexeu nas letras o resultado sempre foi o melhor.

* E as mudanças na carreira dele?
"RB" – Aconteceram lentamente. A partir do disco com “As curvas da estrada de Santos” ele começou a gravar coisas mais sérias, letras mais trabalhadas, mais adultas. Também veio o Festival de San Remo, de que me lembro um detalhe curioso. Estava jogando uma pelada quando um técnico da CBS disse que eu fosse correndo para o estúdio. O Evandro Ribeiro estava nos chamando para a gravação de “Canzone per te”, que acabou vencendo o festival. Tremi por ele no seu primeiro show no Canecão, com todos aqueles textos, que hoje fala tão bem. Foram pequenas coisas que aconteceram e foram mudando a sua carreira.

* E a homenagem pelos 30 anos da Jovem Guarda?
"RB" – É um assunto delicado. Faço restrições pois tem muita gente participando de discos e shows que na época eram concorrentes. A Jovem Guarda, sem dúvida, merece todas as homenagens. Mas há jornalistas pouco informados falando verdadeiras besteiras. Tem gente endeusando cantores que faziam programas em outras emissoras porque não tinham abertura no programa Jovem Guarda. Ali, sim, estava o comando do movimento. No topo da pirâmide, Roberto, Erasmo e Wanderléa; abaixo, “Os Vips”, “Renato e Seus Blue Caps”, “Golden Boys” e bem pouco mais. Acabam passando uma ideia errada do que foi o movimento.

* Como você define Roberto Carlos?
"RB" – Um predestinado, dessas pessoas iluminadas por Deus. Um grande amigo. Como artista é desnecessário eu falar o que acho dele. É um poeta, um grande compositor. Tem um forte lado espiritualista. É impressionante seu domínio sobre o público. É, sem dúvida, um abençoado por Deus. Uma vez, no Canecão, enquanto ele falava um texto de seu show, me peguei de boca aberta, como um bobo. E olha que sou seu amigo! Ele deixar o público encantado, tudo bem. Mas os amigos, aí já é demais! Roberto Carlos é dessas pessoas em que sinto uma energia muito forte. Ele veio ao mundo com essa missão e sabe muito bem o que faz.

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