Roberto Carlos é Papo Firme, sempre. Nas entrevistas dos tempos agitados da Jovem Guarda, o pensamento daquele que liderava a juventude, influenciava a moda, introduzia gírias no dia-a-dia do povo. Mais tarde, um tanto arredio, preferia falar de músicas “que é do que entendo”, de seus discos e de trabalho. Hoje, amadurecido, fala sobre tudo. Sempre discreto e cuidadoso, expõe suas posições com argumentação consistente. Suas entrevistas são sempre de grande interesse para os fãs, não importa a época. Dentre as mais de 50 horas que temos gravadas encontramos uma entrevista de Roberto Carlos a Hilton Abi-Rihan, na Rádio Nacional em 1980, que temos certeza você, como nós, vai gostar de conhecer.
* HAR – Em 77, você fez uma música para sua tia, a tia Amélia. Fale um pouco sobre ela.
"RC" – Minha tia morava na Tijuca e nessa época eu morava em Niterói, na casa de uma outra tia. É uma música bastante verdadeira. Tudo o que está na letra, o blusão de couro, a comida que ela fazia, tudo existiu, realmente. Quando eu chegava dos shows, tarde da noite, sempre tinha uma galinha assada, um frango com batatas... E tudo isso me veio à cabeça quando eu estava em Los Angeles e comecei a pensar naquelas coisas todas do passado. Na ocasião eu estava vendo televisão e alguém falou em tio. Aí me lembrei da tia Amélia, daquelas recordações maravilhosas. Comecei a fazer a música e chorei muito. Comecei a me emocionar com a volta ao passado, mas entre um choro e outro me vieram as frases. Eu fiz parte da música e liguei imediatamente para o Erasmo, falando do tema, contando a história. É dele a frase “minha roupa limpa tem cheiro de lavanderia” e muitas outras da canção. Foi assim que surgiu a música “Minha tia”. Ela foi praticamente feita pelo telefone, com Erasmo. * HAR – Quando sua tia soube da música? "RC" – Só depois de gravada. Sei que ela se emocionou muito e que toda vez que a ouve acaba chorando. * HAR – Primeiro você resolveu homenagear sua tia e só dois anos depois fez uma música para sua mãe, por que isso? "RC" – Minha mãe apareceu, antes, em outras músicas. Ela está em “O divã”, que fiz em 72. Em 71 fiz uma música para meu pai, “Traumas”, e em 74 também gravei “A estação”, inspirada em minha mãe. Certa vez fui levá-la até a rodoviária em São Paulo. Ela não gostava muito de avião. Quando mamãe subiu no ônibus me deu uma emoção, uma saudade antecipada, e quando voltei para casa já tinha o tema na cabeça. Mas homenagem mesmo é “Lady Laura”, que também foi uma música muito espontânea. * HAR – Foi difícil compor “Lady Laura”? "RC" – Eu estava em New York e já tinha começado a fazer o disco. As bases já estavam prontas e eu já estava colocando a voz. Era tarde da noite, os pensamentos me vieram à cabeça e comecei a fazer a canção. São frases que sempre vêm à cabeça da gente quando se está triste, se sentindo só. Comecei a me lembrar dos meus tempos de criança. Fiz uma boa parte de “Lady Laura” lá em New York e depois, no Rio, desenvolvi o resto com o Erasmo. * HAR – Muitas pessoas dizem que você passa uma certa tristeza aos fãs. Você se acha uma pessoa triste? "RC" – Não acho que eu seja uma pessoa triste. Naturalmente que momentos de tristeza a gente sempre tem. Como também momentos de solidão. Embora eu às vezes até goste muito de solidão... Ela nos faz pensar muito. Mas tristeza a gente sempre tem. Todo mundo tem, às vezes uns a tem um pouco mais que outros. Mas não me considero uma pessoa triste. Tenho tido muitas alegrias na vida, graças a Deus. Sou do tipo que agradece a Deus todos os dias por tudo que tem acontecido comigo. * HAR – Você se emociona quando compõe? "RC" – Isso acontece muito, principalmente nas músicas que falam de recordações, como “Minha tia”, “Lady Laura”, “O divã” e outras assim. As que falam de tristeza diretamente me trazem muita emoção, e também me emociono muito na hora de gravar. Também quando as canto no palco. Eu faço as músicas quando sinto algo que se identifica comigo, então eu vivo tudo o que canto naquele determinado momento. Eu me transporto para a letra, mesmo que não seja uma história que tenha acontecido diretamente comigo. Mas eu sempre me coloco na letra. Muitas pessoas dizem que minhas canções são autobiográficas. Não é bem isso. É que me coloco no tema, vivo o tema. Então eu faço como se estivesse realmente sentido a história, passo a vivê-la. É isso que sempre tem acontecido comigo. Daí tanta emoção. “Detalhes”, por exemplo, me emociona todas as vezes que canto. * HAR – Já aconteceu de você ter que parar uma gravação por causa da emoção? "RC" – Muitas vezes que já tive que parar porque não dava para continuar. As lágrimas vinham e não dava mais. Depois a gente retoma o pique e volta a gravar tudo de novo. * HAR – Já houve alguma música que mesmo emocionado você tenha continuado a gravação? "RC" – Que eu me lembre, “Outra vez”. A emoção veio no final e a gravação ficou valendo. Também teve a música do Milton Carlos e da Isolda, “Um jeito estúpido de te amar”. Eu me emocionei muito durante a gravação mas deu para ir até o fim e desabafar depois. * HAR – Sempre surgem fofocas sobre a vida particular dos artistas mas com você parece que há um certo respeito. Que segredo é esse? "RC" – Não há nenhum segredo. O que eu sou na minha vida familiar eu transporto para minhas músicas e as canto nos discos e no palco. Eu sou exatamente o que sou, dou valor às minhas amizades, sempre gosto de ajudar amigos de infância, conhecidos do tempo de criança. O carinho e o amor que recebemos das pessoas são muito gostosos. Tenho tentado retribuir todo esse amor. Acho que tenho retribuído. É assim que vivo e acho que as pessoas já sabem como eu sou, como eu vivo. Conhecendo minhas músicas já me conhecem. Por isso, talvez, não apareçam muitas fofocas. * HAR – A fama já lhe trouxe problemas? "RC" – Não, não posso dizer que tenha me trazido problemas. Eu sempre procuro olhar as coisas de forma positiva. Eu procuro ver o lado bom de tudo isso. Não resta dúvida de que acontecem coisas maravilhosas na minha vida, e como já disse agradeço sempre a Deus por tudo. Os problemas que já tive com tudo isso foram totalmente compensados pelas alegrias. Logicamente a gente sabe quando tem problemas e procuro sempre tentar superá-los e esquecê-los. Às vezes determinados problemas fazem parte da profissão de cada um. Eu sou uma pessoa muito otimista e até acho que esse otimismo tem me ajudado muito a superar as dificuldades, a curtir as pequenas e grandes alegrias e a esquecer as coisas ruins. * HAR – Como foi a emoção que você sentiu quando 80 mil crianças cantaram a música “Amigo” para o Papa, no México? "RC" – Não dá para dizer a emoção que senti. Chorei muito, emocionado. Foi um momento maravilhoso. Eu sempre fui muito ligado em crianças e neste ano em que comemoramos o Ano Internacional da Criança estou cada vez mais envolvido com os problemas das crianças. Exatamente nessa fase de tanto envolvimento veio essa homenagem, que considero uma das maiores da minha vida. Foi muito lindo e me emocionei demais. Foi mais uma grande alegria e também mais uma emoção traduzida pelas crianças. Ver aquela multidão cantando a nossa música foi uma emoção que nem dá para descrever. Agora, quando vi o Papa João Paulo II acompanhar a letra e até cantar um pedacinho aí cheguei a perder o fôlego. |