ROBERTO CARLOS
Transcrição: Carlos Eduardo F.Bittencourt para o
Grupo Um Milhão de Amigos

1970




Você tem medo da verdade?
Saiba que Roberto Carlos não tem.
No início dos anos 70 ele participou do programa “Quem tem medo da verdade”,
comandado por Carlos Manga na TV Record.
Roberto Carlos foi acusado de ter influenciado toda uma geração
pela sua maneira de vestir, por seus colares e anéis e pelas suas gírias.
Ele foi acusado de usar cores femininas e cabelos grandes.
E também o acusaram de, na qualidade de líder da juventude,
ter usado essa condição para usufruir lucros,
se esquecendo de lutar por um mundo melhor para os jovens.
Outra acusação foi a de plagiador de estilos e de composições,
tendo imitado João Gilberto e plagiado a música “Vali con Dios”.

* Roberto Carlos Braga, você tem medo da verdade?
"RC" – Não.

* Por que não usa sua condição de maior cantor do Brasil e grava músicas antigas, como Frank Sinatra faz com frequência?
"RC" – O meu caso não é fazer experiência porque elas são feitas por quem ainda não encontrou o caminho e o estilo que deve seguir. Como já encontrei o meu, acho que não devo fazer experiências. Já gravei músicas antigas, como “Madrasta”, “Ai que saudades da Amélia” e “Coimbra”. É possível que algum dia eu grave um LP de músicas desse tipo, canções do passado, mas isso seria um disco extra, já que essas músicas não fazem parte do gênero que escolhi cantar. Esse disco não está fora de cogitações, até já pensei nele, mas acho que ainda não é a hora oportuna.

* Você acha que Erasmo e Wanderléa devem a você o sucesso que alcançaram?
"RC" – Eu acho que os dois têm prestígio e talento. Erasmo é um grande compositor e também um grande intérprete. Não sei se posso dizer que ele seja um grande cantor, mas o intérprete sabe se comunicar. Isso basta para ele. Acho que isso é o que também acontece com a Wanderléa.

"RC" – Eu poderia me sentir ofendido e o Erasmo também, embora você tenha sido gentil na maneira de formular essa pergunta. Compositor nenhum entra na música porque para o compositor a música é como um filho.

* É verdade que Martinha recebeu de direitos autorais por “Eu daria a minha vida” muito menos do que era para ter recebido? É verdade que a editora era sua?
"RC" – É verdade sim. A editora era minha e devido a problemas que aconteceram lá eu saí da editora. Eu fiz uma música para o Agnaldo Timóteo, “Meu grito”, e não recebi nada de direito autoral. Tudo que havia lá era prejuízo para eu pagar do meu bolso. Quando Martinha editou a música eu ainda tentava manter a editora mas logo depois que gravei a música – vale lembrar que o disco ainda demorou dois meses para sair – deixei a editora porque não aguentei os problemas lá dentro. É possível que Martinha ainda não tenha recebido nada até hoje, porque eu, também, não recebi. Eu gostaria de intervir por ela mas já não faço mais parte da editora, que estou acionando.

* No Brasil há no mínimo dez cantores que o imitam. Qual a melhor imitação de Roberto Carlos?
"RC" – Eu não gosto de responder essa pergunta porque respeito muito a ética profissional e meus colegas de trabalho. Acontece que nem sempre a gente pode respeitar a ética, principalmente quando alguém nos encosta na parede, como você está fazendo agora. Eu posso dizer que Paulo Sérgio é a mais perfeita imitação minha. Eu até já me confundi com ele, ouvindo rádio. Agora, não acho errado ele começar a carreira me imitando, porque também comecei imitando João Gilberto.

* Mas logo você criou um estilo, o que não está acontecendo com o Paulo Sérgio...
"RC" – Acredito que ela ainda esteja procurando o seu estilo. Não posso censurá-lo por me imitar porque, como já disse, comecei imitando o João Gilberto e felizmente consegui encontrar o meu caminho. Logo depois do meu primeiro disco, que não vendeu nada, procurei meu próprio estilo, orientado e ajudado por Carlos Imperial e por Renato Corte Real. Eu não quero criticar o Paulo Sérgio, mas, apenas como conselho, acho que ele deve procurar seu estilo, até mesmo dentro do gênero.

* Você concorda com o Paulo Sérgio quando ele diz que Wanderléa foi a maior mentira que ele já viu no meio artístico?
"RC" – Não estou de acordo, não. Nem sei em que sentido ele quis dizer isso. Até duvido que ele tenha dito isso. As opiniões sobre Wanderléa e sobre qualquer outro artista são um direito dele mas cada um aceita se quiser. Eu acho que a mentira sobre a Wanderléa é dele, e não dela, porque Wanderléa existe, tem talento e prestígio, e isso ninguém pode negar.

* Uma outra acusação do programa é sobre a sua maneira de vestir. Você que defende valores dos hippies não pode ser considerado um falso hippie brasileiro?
"RC" – Eu nunca disse que sou um hippie, Apenas aprovo a filosofia deles. As pessoas confundem muito a questão hippie com a maneira de vestir. A roupa não diz nada; existem milhares de hippies de paletó e gravata. Hippie é um estado de espírito e não a forma de vestir. O sujeito pode ter condições financeiras e até a obrigação profissional de usar terno e, no fundo, achar que o certo seria usar roupas coloridas.

* É verdade que suas roupas são feitas por uma mulher? Você não acha isso esquisito?
"RC" – Não acho que isso possa significar algo de feminino na minha personalidade. Minhas calças são feitas por um alfaiate e o mesmo acontece com meus paletós. Agora, as camisas, coletes e os paletós de shows são feitos por uma costureira. Eu não vejo nada demais nisso. Eu faço com ela porque é sensível bastante para “bolar” coisas que muita gente não pensa. Ela é inteligente e desenha roupas diferentes.

* Então você acha que a mulher tem muito mais gosto e sensibilidade para fazer suas camisas?
"RC" – Para certos tipos de roupas eu acho sim. A mulher tem um gosto especial. Ela não dá nenhum toque feminino no homem, apenas faz roupas como gostaria de ver o homem vestido.

* A sua modista é de São Paulo ou do Rio?
"RC" – A que fez essa camisa que estou usando é de São Paulo.

* Você teve milhares de mulheres em sua vida e foi se casar com uma mulher desquitada.
"RC" – O amor independe de qualquer coisa. Eu me casei com Nice porque me apaixonei por ela, e ela por mim. Sentíamos que nos completávamos e que devíamos criar uma família, ter filhos. Para mim pouco importava se ela já havia sido casada, se tinha sido infeliz e se separado. Quando você decide se casar, pouco importa o eu tenha acontecido antes na vida da mulher; o importante é o amor e, também, o caráter dela. Eu encontrei tudo isso em Nice e principalmente o seu amor. O fato de ela ser desquitada não me importava e ainda que chegassem para mim e gritassem que aquilo era importante e que não podia acontecer na minha vida, mesmo assim eu me casaria, de qualquer maneira.

* É verdade que os repórteres têm que esperar de cinco a seis horas para entrevistá-lo?
"RC" – Se isso aconteceu foi por algum motivo muito justo. Talvez as pessoas que trabalham comigo não tenham me acordado porque eu tinha ido dormir muito tarde no dia anterior devido aos shows e viagens. Eu sempre achei isso errado mas sei que aconteceram algumas vezes. Mas eu nunca deixei ninguém esperando seis horas para uma entrevista. Talvez por uma ou duas horas já tenha acontecido, por excesso de zelo. Já houve casos de eu ter feito dois ou três shows num só dia e ter chegado em casa por volta das oito horas da manhã. Mas sempre dei explicações para esses atrasos, e as pessoas ficavam comodamente instaladas em minha casa. Mas hoje isso é difícil de acontecer, porque a minha vida está bem mais organizada. Também não faço mais três shows num só dia.

* Além do João Gilberto você também imitou Albertinho Fortuna, um cantor de tango, ainda na rádio ZYL-9, em Cachoeiro?
"RC" – Não. Eu não imitava, apenas cantava músicas do seu repertório. O mesmo aconteceu com o Nélson Gonçalves. Os repertórios desses dois cantores eram os meus preferidos naquela época.

* E sua imitação de Mário Reis?
"RC" – Você não quer dizer que estou imitando o Mário Reis em “Oh, meu imenso amor”! Aquilo não é imitação, absolutamente. Estou apenas cantando num estilo da década de 30, homenageando aquele gênero de cantar. Acho bacaninha aquele som, que não era aperfeiçoado como é hoje. Inclusive foi uma preocupação nossa que o som ficasse “sujo”, mas não tão imperfeito como o daquela época. Mas não há ali qualquer pretensão de imitar ninguém; acho até que é uma homenagem. Imitar é imitar a voz; cantar no estilo é lembrar uma época.

* Quem se apaixonou primeiro pela Wanderléa, você ou o Erasmo Carlos?
"RC" – Acho que não houve paixão de nenhum dos dois. O Erasmo talvez tenha se interessado pela Wanderléa, porque ele a conheceu depois. Eu já a conhecia da CBS. Pode ser que ele tenha tido um flerte com ela, mas nada de paixão. Da minha parte não houve nada.

* O que você estava mandando para o inferno quando compôs a música “Quero que vá tudo pro inferno”?
"RC" – Tudo, para mim o que importava era o amor, a saudade que eu sentia e qualquer coisa parecida, de acordo com o meu estado de espírito. Então, quando fiz a música, pouco importava os outros problemas, o que valia era o amor que eu sentia; o resto que fosse para o inferno. Com certeza foi a primeira música agressiva que fiz.

* Ninguém nega o seu talento. Mas você nega ou admite que tenha havido uma “máquina” para transformar o cantor num ídolo, um esquema montado para fazê-lo chegar até onde chegou?
"RC" – A máquina só apareceu para fazer propaganda, na época da confecção de roupas com a marca “Calhambeque”. Até então não havia máquina alguma. E não foi uma máquina para promover Roberto Carlos mas apenas para promover o produto.

* Por que você, como líder de uma juventude, deu tão pouco aos jovens?
"RC" – Não sei se poderia fazer mais. Acho que eu dei o que pude, aquilo para que estava preparado para dar. Talvez eu não tenha feito o suficiente mas tenho certeza e que dei o máximo de mim. Se tivesse mais estrutura poderia ter dado muito mais e, talvez, ter sido mais útil à juventude. Mas isso é um problema que a gente não pode prever e nem se preparar. Nem sabemos o que vai acontecer.

* O que representava para você a palavra inferno naquela canção?
"RC" – O sentido figurado do xingamento de quero que vá tudo pro inferno mesmo. O que não presta que vá para o inferno.

* Você acredita que o amor seja algo inerente ao homem e à mulher, que seja algo natural?
"RC" – Sim, acho que é uma tendência natural.

* E para você nós, homens, somos todos iguais?
"RC" – Acho que somos mas a questão do amor é que nem sempre é igual. Ele é individual na forma como cada um o sente; uns amam mais, outros menos.

* É verdade que você pagou para a música “Canzone per te” ganhar o Festival de San Remo, e que ela já estava gravada para ser divulgada como a grande vitoriosa?
"RC" – O regulamento do festival já estabelece que a música seja gravada antes da apresentação. Qualquer cantor que vá a San Remo defender uma música já vai com ela gravada. Durante o festival os organizadores fazem a divulgação nas rádios.

* A música “Namoradinha de um amigo meu” tem endereço certo?
"RC" – Não. Nem era para eu a gravar; ela foi feita para um conjunto mas quando ficou pronta não deu mais tempo para ser gravada pelos meninos. Então eu acabei a gravando.

* Você ganhou bastante dinheiro com a grife “Calhambeque”?
"RC" – Ganhei dinheiro, sim, mas talvez não tenha sido o que devia ganhar. Mas os produtos deram bastante dinheiro. Por um erro de cálculo ou por falta de controle, não sei, a verdade é que a grife poderia ter dado muito mais lucro. Se houve algum prejuízo, não foi pelo que se perdeu mas pelo que se deixou de ganhar.

* Em que ponto você acha que atingiu o máximo?
"RC" – Acho que foi no Festival de San Remo mas acho que a minha situação atual é mais segura. Considero que agora eu tenho muito mais estabilidade artística e não tenho a grande preocupação com a queda. A queda é perigosa.

* Você está preparado para essa queda?
"RC" – O problema não é estar preparado para a queda, é lutar contra ela. Acho que jamais vou me preparar mas sim lutar contra ela através do meu trabalho, que tento aperfeiçoar cada vez mais. Agora, tenho mais confiança na estabilidade hoje do que antes agora ela é mais palpável, mais positiva.

* Você quer dizer que teve juízo para guardar dinheiro?
"RC" – Não falei exatamente quanto à situação financeira, mas artística.

* Por que você ainda insiste em “carregar nas costas” Erasmo Carlos e Wanderléa?
"RC" – Esse negócio de carregar Erasmo e Wandeca nunca existiu. Nós sempre procuramos nos ajudar mutuamente, e isso vem desde a Jovem Guarda. Eu nunca forcei a entrada da Wanderléa no programa ou coisa parecida. É uma troca de gentileza, uma amizade muito grande entre nós. Nunca houve essa história de carregar os dois nas costas, absolutamente. Se isso acontece é mutuamente, nós nos carregamos uns aos ouros nas costas. E em relação ao Erasmo isso não pode mesmo existir porque ele é responsável por 50% do sucesso dos meus discos já que é co-autor das músicas. Quando o Jovem Guarda começou Erasmo já fazia sucesso com “Festa de arromba” e a Wanderléa também já havia gravado.

* Por que nas suas músicas, como nas histórias em quadrinhos, as parcerias são sempre entre dois homens? Você acha que existe algo mais que a censura não permite divulgar?
"RC" – Atualmente eu não tenho muito tempo para ler histórias em quadrinhos mas eu acho que eles são heróis que se ajudam. Pelo menos é essa a intenção da revista, além de fazer com que os dois heróis derrotem o mal.

* É verdade que você é fã do Batman?
"RC" – Acho o Batman espetacular, principalmente o carro dele. O batmóvel é uma coisa seríssima!

" Depois dessas perguntas foi a vez das testemunhas de defesa.
João Araújo, que era diretor da Polydor, onde Roberto Carlos gravou seu primeiro disco,
um 78 rpm com as músicas “João e Maria” e “Fora do tom”,
deixou claro que não foi o responsável pela dispensa de Roberto Carlos
já que quando entrou na gravadora Roberto já estava saindo.
Esclareceu que a decisão foi da cúpula da Polydor, já que o disco não havia vendido.
Outra testemunha de defesa foi o ator e redator Arnaud Rodrigues,
que ficou surpreso e confuso com as perguntas.
Ele achava que o julgamento seria do cantor e compositor
mas a maior parte das perguntas foi sobre o ser humano.
Arnaud Rodrigues disse que nunca poderia estar contra Roberto Carlos
visto que ali o cantor não foi a julgamento.
A cantora De Kalaffi considerou Roberto Carlos tão importante para o Brasil
quando os Beatles para a Inglaterra.
Para ela o Rei fez coisas extraordinárias pela juventude e anda tem muito a fazer.
Ela lamentou apenas que Roberto Carlos tenha comparecido ao programa para responder perguntas.
Para ela, ele não deveria responder perguntas de ninguém,
principalmente do júri do programa.
O apresentador de TV, Silvio Santos, defensor de Roberto Carlos,
também achou que ele não deveria ter comparecido ao programa
pois não devia nenhuma satisfação de sua vida ao público.
Diariamente jornais e revistas já comentavam sobre o homem e o artista,
o que já bastava para tornar sua vida mais do que conhecida.
Sílvio Santos lembrou uma conversa que havia tido com Roberto antes do início do programa,
quando ele disse que fazia questão de comparecer
pois como ser humano sua vida era um livro aberto e como artista nada tinha a esconder.
Sílvio achou todas as acusações muito frágeis.
“Será que roupas, anéis e colares vão mudar a personalidade da juventude?”
Ele se indagou, afirmando que Roberto Carlos jamais havia desencaminhado os jovens
nem feito apologia de tóxicos.
Muito pelo contrário, muitos meninos e meninas perdidos na marginalidade
largaram o vício por causa das músicas de Roberto Carlos.
Para Sílvio, Roberto sempre convenceu pela sua sinceridade e simplicidade
mas não como um líder, já que era humilde e tímido.
O fato de ele haver imitado João Gilberto não poderia incriminá-lo,
visto que os cantores quase sempre iniciam a carreira imitando um profissional em evidência
para só depois encontrarem seu estilo.
Em relação ao amor, Roberto se apaixonou por uma moça que lhe tocou o coração
e não se preocupou com as meninas ricas e bonitas que o cercavam
nem com a má repercussão do casamento para a sua carreira.
Terminando sua defesa, Sílvio Santos disse que não havia visto
em nenhum dos jurados sinceridade nas acusações.
Eles estavam ali apenas por um dever profissional.
Alguns até acabaram defendendo Roberto Carlos que, portanto,
devia ser absolvido por unanimidade,
pois quem o condenasse não teria coragem de ir para a casa enfrentar a família.
Roberto Carlos não foi absolvido por unanimidade como Sílvio Santos pediu.
Apenas um jurado considerou nosso ídolo culpado
alegando que ele não usava a televisão para que os jovens tivessem mais acesso à música nacional.
Todos os outros jurados o inocentaram,
destacando seu caráter, sua conduta e sua bondade.
Um dos jurados exibiu uma foto autografada para seu filho.
Padre Aristides o absolveu, não como padre, mas como homem,
porque acompanhava sua careira desde 1964
e pode perceber que Roberto colocou uma barreira
conta a invasão da nossa cultura pelos músicos estrangeiros.
Mas para ele ninguém pode julgar a consciência de uma pessoa.
Encerrando o programa, Roberto humildemente agradeceu a Sílvio Santos pela defesa e,
sobre a única acusação, afirmou que deu aos jovens o que a oportunidade lhe ofereceu,
esperando poder fazer bem mais pela MPB.
Agradeceu a oportunidade de esclarecer assuntos de que ainda não havia falado
e reafirmou que sua vida era um livro aberto
e que falou toda a verdade por não ter medo dela.
Roberto Carlos foi absolvido porque só faz o bem,
porque é um ser humano único,
porque só pensa em encher nossos corações de amor e esperança,
porque é fiel à sua carreira, à sua vida e ao seu público.
Roberto Carlos não tem medo da verdade. Por que teria?

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