TUTUCA
entrevista concedida a Carlos Eduardo F.Bittencourt para o
Grupo Um Milhão de Amigos

28.05.1996




Roberto Carlos tem um carinho todo especial com os músicos de sua banda.
Por isso gosta de apresentá-los pelo nome.
Para cada companheiro de palco Roberto tem uma brincadeira e uma palavra de afeto.
Tutuca, nosso entrevistado, é sempre lembrado pelo nosso Rei como o arranjador da música “Nossa Senhora”.
Com vocês, Artur Borba de Paula, o Tutuca.
Com apenas 7 anos ele começou a estudar música e com 16 anos já era profissional.
Tutuca fez de tudo: formado pelo conservatório, tocou em baile, em trio elétrico e em orquestra sinfônica.
Teve até o privilégio de tocar com Sammy David Jr....
Até que apareceu Roberto Carlos em sua vida. Daí ...

* Como você se integrou à banda do Roberto Carlos?
"T" – Eu era do departamento musical da TV Globo, onde gravávamos as trilhas dos programas. Quem também fazia parte da emissora era o maestro Eduardo Lages. Frequentemente trabalhávamos juntos. Ele já tinha vontade de me apresentar ao Roberto e de me levar para a banda. A oportunidade surgiu quando em 85 o tecladista do RC-9 saiu. Naquele ano participei do disco do Roberto Carlos, chamado pelo Eduardo. Foi aí que o conheci e, através do Eduardo, Roberto me convidou para a banda.

* Qual foi o seu primeiro show com Roberto Carlos?
"T" – Foi o “Detalhes”, no Canecão. Foi muito gostoso, ensaiamos muito, desde setembro até dezembro de 86. Isso apesar de o Roberto não ter tempo para nada. Era um show mais elaborado, com um pout-pourri da Jovem Guarda, outro do Tom Jobim e um terceiro de temas românticos. O show era muito bonito, tanto é que se transformou no primeiro e único disco ao vivo do Roberto.

* Explique quais as diferenças dos seus teclados para os do Sérgio Carvalho.
"T" – O Sérgio Carvalho faz um som de vozes meio misturado, e eu fico mais com as cordas, os reforços de metais e alguns solos, como em “Romântico”, “O charme dos seus óculos” e “Coisa bonita”.

* Como você, músico, vê as substituições das cordas por computadores e teclados?
"T" – A equipe do Roberto Carlos cresceu muito e a crise econômica do país atingiu a todos, até a ele. Então, um artista que tinha 12 músicos passou a ter 6. Houve época em que Roberto tinha 80 músicos, e isso acabou ficando pesado no orçamento. Se você verificar bem, hoje a equipe deve ter umas 70 pessoas, e isso fica caro em termos de passagens, hotéis no Brasil e no Exterior. Foi aí que surgiu a experiência com computadores. Acabou sendo bem aceita pelo público pois tudo ficou muito bonito. Mas às vezes, em certos shows mais importantes, como em Los Angeles, ele usa o naipe de cordas.

* Você já participou de diversas temporadas com o Roberto, de “Detalhes” até “Amor”. São 9 anos e 4 shows. De qual você mais gostou?
"T" – Foi “Detalhes”, com um repertório bem elaborado e o pout-pourri do Tom Jobim. Mas acredito que em termos de público e de pesquisa esta nova temporada seja a de maior agrado popular, pois tem várias músicas antigas que o público cobrava muito e que ele não cantava.

* Nos últimos anos você tem trabalhado muito nas gravações dos discos do Roberto Carlos. Como é o clima das gravações?
"T" – É muito tempo em estúdio. O trabalho todo começa em junho, quando ele faz uma pré-produção de algumas músicas. Depois passa a gravar as bases com os computadores. Retorna às bases... Enfim, é uma coisa complicada e muito elaborada com o carinho que Roberto dedica aos seus trabalhos.

* Ele entra em estúdio com o repertório do disco já definido?
"T" – As músicas dele, sim, já estão quase todas prontas. Depois é que ele começa a escolher as composições dos outros compositores.

* Por que Roberto sempre começa as gravações com a música-mensagem?
"T" – Isso é uma coisa muito boa, e geralmente, quando são gravadas, essas músicas ainda não têm título. A gente começa com a mensagem, depois a gravação rola com clima de inspiração de Deus, o que é muito bom.

* Durante as gravações vocês demoram muito trabalhando determinadas músicas?
"T" – A gente fica meses gravando algumas músicas. Só depois que a gravação fica pronta é que passamos para outra faixa. Lembro-me que “Nossa Senhora” ficou meses sendo feita. Tentamos vários arranjos, e depois de muitos testes, inclusive com arranjos de outros maestros, acabou ficando o primeiro, que foi o meu.

* Fale um pouco sobre este arranjo.
"T" – Roberto me ligou e disse que já estava com o refrão da música pronto. Até brinquei com ele: Puxa, já está com isso tudo pronto! Aí eu fui à casa dele e lá nós dois e o Mauro Motta passamos a música. E comecei a fazer o arranjo, pois ele já tinha me escolhido. Posso até dizer que virei um tecladista ecumênico, pois sempre participo das músicas-mensagens, abrindo com os teclados. Mas, além do meu, ele também encomendou arranjos a outros maestros, até para fazer uma comparação. Acho que os outros trabalhos não chegaram a ter a mesma espiritualidade que teve o que eu apresentei, graças a Deus. Considero que foi uma coisa espiritual, e coisas espirituais vêm para ficar.

* Qual a sua relação com a religião para você ter feito um arranjo tão bonito como o de “Nossa Senhora”?
"T" – Toda música tem que ser respeitada, mas quando existe uma música que fala de Deus, aí se torna quase um louvor, uma coisa mais séria, mais iluminada.

* No meio de um trabalho tão cansativo como a gravação de um disco, dá tempo para uma conversa ou brincadeira?
"T" – Brincadeiras... só tem brincadeiras, mas é claro que quando o produtor fala “gravando”, aí o trabalho é lavado com muita seriedade. Roberto sabe com que profissionais trabalha. Mas é claro que tem muitas piadas, muita conversa; afinal, são horas e horas, meses e meses em estúdio.

* Por falar em brincadeiras, Roberto, no palco, mexe com você sobre uma história de balde que ninguém entende!
"T" – O balde é porque adolescente, com 18 anos, eu já tinha cabelos brancos, uma grande faixa bem no centro da cabeça, que era muito feia. Então eu pintava de preto, e sujava a casa inteira. Um belo dia uma senhora, que também pintava o cabelo, mandou que eu metesse a cabeça no balde já que assim eu não sujaria mais a casa. Então, eu passei a enfiar a cabeça no balde. É por isso que, quando me apresenta, Roberto brinca falando do balde, dos cabelos ondulados e pretos. E tem outras brincadeiras que ele faz no palco, dizendo que eu sou um cara muito sério, de óculos de aro, o mais velho da banda. Afinal, são quase 9 anos de palco, cerca de 100 shows por ano. Temos que criar coisa diferente na apresentação dos músicos. No show “Coração” tinha o cumprimento com o Serginho, com os dedos, com o Roberto dizendo que parecíamos ouriço fazendo amor.

* Tututa, tantos anos no palco com Roberto Carlos, você tem algum momento interessante que gostaria de destacar?
"T" – Teve uma passagem engraçada e trágica. Em Guayaquil, no Equador, tinha muito mosquito e eles começaram a incomodar Roberto, principalmente porque ele estava vestido de branco que é uma cor que atrai mosquitos. Durante o show ele engoliu um. O espetáculo teve que ser paralisado, Roberto foi lá para dentro, fez gargarejo, mas depois retornou e fez o show normalmente.

* Como você vê o carinho do público estrangeiro com Roberto Carlos?
"T" – Eu acho que o público estrangeiro tem um carinho por ele muito maior do que aqui. Não quero dizer que os brasileiros não gostam do Roberto mas é bonito ver o sucesso que um artista do nosso país tem no Exterior. Há épocas em que a gente faz shows lá fora todos os dias, em diversos lugares, como Texas, Puebla, no México, em Toronto, no Canadá. E todos os lugares lotados, como se ele estivesse cantando no Brasil. Isso ninguém fala, e o Roberto, por ser uma pessoa muito humilde, não gosta de se vangloriar. No Texas, certa vez, o local do show era tipo cenário de filmes de faroeste, com aquelas moitas, horas-e-horas de estrada; e o lugar completamente lotado, o carinho imenso do público, um sucesso enorme. Por isso é que acredito que esse carinho seja maior lá fora do que aqui. Uma coisa que é importante citar é o quanto Roberto Carlos trabalha. Ele é um cantor que faz show em plena segunda-feira, que para os artistas é dia de descanso. Engraçado é quando saímos dos shows: nunca sabemos o que dizer aos fãs. Quando perguntam se ele ainda está no camarim, se falamos que está dizem que estamos mentindo, e também não acreditam quando dizemos que ele já foi para o hotel.

* Como nasceu o arranjo de “Quase fui lhe procurar”, do disco de 95?
"T" – Esse arranjo surgiu na brincadeira. Eu estava no estúdio, sem fazer nada, e comecei a tocar a música. Roberto ouviu, elogiou e disse que estava tão bonito que só lhe restava colocá-lo no disco. Eu não consegui fugir do arranjo original, que é muito forte. Tentei fazer várias introduções mas acabou ficando uma parecida com a original.

* Qual o momento mais bonito que você já passou no palco com Roberto Carlos?
"T" – Foi no aniversário dele, em 94, no Recife. Quando ele entrou no palco, a histeria do público foi muito grande e bem maior do que se esperava. A gritaria de 50 a 70 mil pessoas foi tão forte que tivemos que parar de tocar porque não conseguíamos ouvir nossos próprios instrumentos. Você sabe como Roberto é emotivo. Ele não conseguiu conter a emoção e começou a chorar em pleno palco.

* Como Roberto é fora do palco?
"T" – Quando ele liga para a minha casa, sempre atendo dizendo: Roberto, bom pai, bom amigo, bom compositor e uma excelente pessoa! Ele é, realmente, tudo isso. Bonito é seu carinho com os filhos. Dá cada beijo no Segundinho que ele fica todo envergonhado, afinal já é adulto, casado. Ele é muito branco, mas Roberto só o chama de “crioulinho”. Roberto Carlos é uma pessoa fantástica, muito amiga e, acima de tudo, é meu patrão, graças a Deus. Agradeço muito a Deus por isso, sempre.

* Nas viagens vocês costumam ter contatos diários com Roberto, fora dos palcos?
"T" – Ele gosta de manter o grupo sempre unido e às vezes chama toda a equipe para jantar em sua suíte. Há ocasiões em que paga as passagens e hospedagens para nossas esposas nas excursões. Mas seu dia-a-dia é de muito trabalho e muitas vezes, enquanto estamos dormindo, ele está no telefone tratando de seus negócios. Numa excursão mais longa ele aproveita intervalos e retorna ao Brasil para resolver assuntos mais urgentes.

* Como lá do palco você vê aquele empurra-empurra das fãs durante a distribuição das rosas no final de cada show?
"T" – Algumas vezes é engraçado. A gente vê na platéia algumas senhoras acompanhando o show de forma discreta mas naquela hora elas se descabelam, gritam, tudo para pegar uma flor jogada por Roberto Carlos. Às vezes quase sai agressão!

* Qual o maior exemplo que Roberto Carlos te passa?
"T" – A humildade. Realmente ele é um cara humilde, muito educado, que nos trata muito bem e que sabe como se dar com cada um de nós. Valoriza nossas iniciativas como músicos e isso acontece até mesmo quando o surpreendemos com algum solo fora do “script”.

* Como você tentaria explicar o carisma de Roberto Carlos?
"T" – Para mim é difícil falar porque ele já faz parte da minha família. É como se fosse um irmão, um irmão mais novo, porque a juventude dele é eterna. Um artista com a condição dele nem precisava fazer mais shows e ele faz em média de 100 a 120 por ano. Ele gosta do que faz, é um cara fantástico, um profissional que ama seu trabalho.

* Algum plano de Roberto Carlos gravar música sua?
"T" – Já entreguei a ele alguns trabalhos e parece que poderemos ter boas notícias neste ano.

* De tantas músicas gravadas por Roberto, qual é aquela que você mais gosta?
"T" – É “Sentado à beira do caminho”, que tem uma letra muito bem feita. Roberto e Erasmo foram muito felizes no refrão: “Preciso acabar logo com isso, preciso lembrar que eu existo”.

* Como definir Roberto Carlos?
"T" – É difícil falar, mas ele é uma pessoa muito boa, que merece o sucesso. O que você vê em cima do palco é o dia-a-dia dele. Um cara humilde, bom pai, bom chefe de família, um compositor fantástico. Ele canta com a mesma dedicação em New York, no Canadá, em Cachoeiro ou Mossoró... Enfim, em qualquer lugar é aquilo sempre: um ser humano fantástico.

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