WANDERLEY
entrevista concedida a Carlos Eduardo F.Bittencourt para o
Grupo Um Milhão de Amigos

21.02.1995




Em pleno show “Luz”, no final da música “O côncavo e o convexo”,
quando Roberto Carlos vai cantar a última parte,
ele é interrompido pelo magnífico piano de Wanderley.
Como o próprio Roberto diz, “Wanderley sabe tudo de piano,
conhece todas as notas e,se faltar alguma, ainda pede emprestada ao Caçulinha”.
Roberto, brincando, pergunta se ele tem algo contra o sexo,
pois nunca permite o encerramento da música.
Mas quando o entrevistei, Wanderley jurou não ter nada contra o sexo.
Antônio Wanderley está no RC-9 há muito tempo, desde 1966.
Depois de Dedé, é o mais antigo do grupo.
Começou sua carreira de músico tocando acordeon, que ganhou de seu pai.
Com 18 anos foi trabalhar na noite de São Paulo.
Quando o pianista da casa faltou, acabou o substituindo.
Nunca mais abandonou o piano, apesar de ainda ter um acordeon de 120 baixos,
que ganhou de presente de seu pai.

* Como você conheceu Roberto Carlos?
"W" – Quando Roberto foi para São Paulo, eu fiz amizade com o Dedé. Nessa época, eu tocava bossa-nova com o Milton Banana Trio, com quem fiz sete discos. Depois eu trabalhei com Elis Regina e Wilson Simonal. Aí soube, pelo Dedé, que o Roberto precisava de um guitarrista. Disse que também tocava guitarra, mas quando fiz um teste e um show não fui aprovado. Depois ele conseguiu um piano e entrei no RC-3. Era eu no piano, Dedé na bateria e o Bruno no baixo. Na época o Roberto tocava guitarra. Isso foi na Jovem Guarda.

* Você pegou a fase em que o Roberto Carlos tocava em clubes, sem a estrutura de hoje. Como era aquela época?
"W" – Nós enfrentamos muita confusão, sobretudo porque naqueles anos havia um certo preconceito com a gente. Chamavam o Roberto de bicha. Os caras tinham bronca mas as garotas gostavam. As viagens eram feitas de carro, pois éramos nós quatro, além do secretário dele. Agora o esquema cresceu muito; são 80 pessoas envolvidas no show.

* Como era toda aquela idolatria dos fãs durante a Jovem Guarda?
"W" – Era impressionante. Isso tudo começou quando Roberto gravou “Quero que vá tudo pro inferno”. Várias vezes rasgaram nossas roupas, quebraram o carro. Antigamente, não havia segurança. Às vezes até dava medo. Vinha polícia porque queriam virar o carro.

* Como foi a transformação do conjunto de RC-3 para RC-9?
"W" – A primeira mudança foi a entrada do Gato, do Jet Blacks, que substituiu o Roberto na guitarra. Depois veio a fase do RC-7, com a entrada do Raul, do Nestico e do Maguinho nos sopros. E, agora, o RC-9.

* Como foi a participação de vocês no filme “Roberto Carlos em ritmo de aventura”?
"W" – Foi uma experiência boa mas não participamos do filme; fizemos apenas participações em algumas cenas. O filme até tem uma história bonita, fez sucesso. Na música “E por isso estou aqui” apareço bem em close na hora da introdução.

* Depois desse filme Roberto entrou na fase romântica. Como você acompanhou esse processo?
"W" – O Roberto sempre foi o mais talentoso artista da Jovem Guarda tanto que continua até hoje fazendo sucesso, enquanto muitos, ou quase todos os cantores daquela época, sumiram. Talento é talento. Como era um excelente intérprete, tinha voz bonita, ele conseguiu o seu espaço. A mudança foi uma coisa natural na vida dele. Para Roberto não há problema de romantismo: ele canta melodia, samba, bossa-nova, enfim o que quer, porque tem facilidade de interpretar as músicas.

* Como foi o primeiro show do Roberto no Canecão, considerado por ele próprio como a sua primeira super-produção?
"W" – Aquele show foi o primeiro em que ele se apresentou como uma orquestra. Foi uma novidade para todos nós, uma inovação. Você sair do rock, da Jovem Guarda e se apresentar com uma orquestra no Canecão, com o Chiquinho de Moraes, que é um tremendo maestro... Poxa, foi demais! Um tremendo sucesso, uma consagração!

* Apesar de o Roberto Carlos há muito tempo não se apresentar no palco do Canecão, como você vê o carinho que ele tem por aquela casa?
"W" – O Canecão é a casa mais charmosa do Rio. Ele fica perto de todos, é de fácil acesso, e o Roberto gosta muito de lá. Eu nunca havia visto uma casa como o Metropolitan, e olha que já viajei por 40 países, mas o Canecão tem alguma coisa especial. Nós músicos nos sentimos em casa lá.

* Roberto Carlos, hoje, é um artista muito seguro no palco. Isso já acontecia na Jovem Guarda?
"W" – Ele sempre soube bem o que estava fazendo e dominava bem as situações. Mas com o tempo o cantor vai pegando as manhas da profissão, o controle do palco, a maneira de enfrentar o público. Nisso o Roberto é campeão. No palco não existe ninguém como ele.

* Como é o dia-a-dia de vocês?
"W" – Como tudo na vida, a relação vai se modificando. É claro que mantemos a amizade de antes mas a carreira dele cresceu muito, ele tem a sua vida, seus negócios. Depois, o Roberto mora no Rio e eu em São Paulo. Mas a amizade continua. É lógico que nas viagens nos encontramos mais.

* Assim como os fãs, vocês músicos também acabam contagiados pela espiritualidade dele?
"W" – O Roberto tem a sua maneira de se conduzir. Todos mundo sabe que ele é muito religioso, que sempre tratou bem as pessoas, que é muito ligado à sua família. Ele, no palco, é o que é em seu dia-a-dia.

* Que grande momento você destacaria na carreira de Roberto Carlos?
"W" – Foram muitos. Estive com ele no Festival de Veneza. No Festival de San Remo apenas o acompanhamos pois ele se apresentou com a orquestra local. Foi muito emocionante. A vitória dele foi até uma surpresa, pois não era muito cotado. Mas confiávamos nele e na música e esperávamos a vitória. A chegada a São Paulo foi uma loucura. O aeroporto estava lotado. Também lembro de quando estávamos no Chile e Roberto recebeu a notícia de que tinha sido premiado com o prêmio máximo da música, o Grammy, como o melhor cantor latino de 1988.

* Como começou a brincadeira com vocês dois na música “O côncavo e o convexo”?
"W" – Aquilo não é nada ensaiado. No exterior é comum a participação dos músicos no espetáculo. Aqui é uma novidade. No ensaio, o Miele achou a ideia boa e colocou no show. O número é muito agradável porque o público gosta. Virei cantor-coadjuvante.

* E a estória do Caçulinha?
"W" – Quando eu estava fazendo o solo, não me lembro em que cidade, alguém gritou na plateia : “Dá-lha Caçulinha”. O Roberto gostou e a ideia ficou. O Caçulinha é um grande amigo, começamos praticamente juntos. Como falei é tudo improvisado; a cada dia tem algo diferente.

* Em 1990, você deixou o RC-9 e foi para o México. Como foi essa experiência?
"W" – Essa não foi a primeira vez. De vez em quando me dá uma loucura e deixo o Brasil e o Roberto. Em 1973 recebi um convite do Aírton Moreira e da Flora Purim e fui para os Estados Unidos. Fiquei seis meses mas não me adaptei à vida americana e nem à Nova Iorque. Foi uma coisa muito forte sair de São Paulo para Nova Iorque e tocar com músicos americanos. Aí voltei. A última vez foi no final de 1990, quando fiquei seis meses em Cancun, no México. Às vezes dou umas escapadas dessas. Ao todo foram umas três ou quatro vezes, e, quando volto, dou sorte de meu lugar estar vago.

* No início de 1993 aconteceu um incidente desagradável com o Eduardo Lages, e você teve que atuar como maestro do Roberto Carlos por algum tempo. Fale um pouco disso.
"W" – Fui apanhado de surpresa, pois minha função na banda é tocar piano. Mas como estou com Roberto há quase 30 anos, não havia mistério. Como eu fico na frente, já conheço os macetes da banda, o que acontece no palco. Graças a Deus não houve problema, porque a temporada no exterior foi boa e o Roberto ficou satisfeito com o meu trabalho. Só para deixar claro, eu não fui maestro. Continuei tocando piano. Apenas comandava, do meu lugar, a banda. Porque, se abandonasse o piano, iria faltar o pianista. Excursionamos, assim, por quase um mês, entre Estados Unidos e México.

* Quais as músicas do Roberto Carlos que você destacaria?
"W" – Se Roberto fala que a sua preferida é “Detalhes”, quem sou eu para discordar? Mas gosto de “Cavalgada”, principalmente com aquele arranjo que tocávamos nos shows “Detalhes” e “Coração”. Gosto também de “Olha”. Enfim, gosto de músicas de mais harmonia, em que há mais espaço para improvisar.

* Fale um pouco sobre o arranjo de “Detalhes” deste show, em que a música é apresentada com piano e voz.
"W" – Isso aconteceu pela primeira vez no show “Detalhes”. Naquele espetáculo o Roberto tocava violão mas numa excursão a produção esqueceu de levar o violão e, então, substitui com o piano. Agora, nessa temporada, estamos repetindo.

* Teve algum momento desagradável em um show do Roberto?
"W" – Lembro-me bem de um, em Assunção, no Paraguai. Foi na hora da música “O côncavo e o convexo” que o piano pifou. Chamei o maestro e disse que não podia fazer o número com o Roberto. O Eduardo falou com o Roberto e ele disse que era para eu passar para o teclado do Tutuca. Eu disse que não daria para fazer o solo no teclado. Ficou um clima ruim no palco, já que ele queria que eu fizesse e eu acabei não fazendo. Levei uma bronca em pleno palco e o Roberto ficou algum tempo sem falar comigo. Depois passou e ele viu que eu estava certo. Outra situação desagradável foi num show no Equador, quando um mosquito entrou em sua boca e Roberto teve que parar o show por uma hora. Tomou água que não acabava mais. Até que pode voltar a cantar. Também me lembro de uma vez em que um homem entrou no palco, suspendeu o Roberto no colo e começou a rodar com ele. A gente, agora, até acha graça, mas na hora é uma tremenda preocupação.

* Como é o carinho dos fãs lá fora com o Roberto Carlos?
"W" – É uma loucura. Talvez seja maior do que aqui no Brasil. O pessoal o adora. A portaria do hotel fica lotada. Se bobear, o agarram, como na época da Jovem Guarda.

* A cada dia Roberto Carlos é mais idolatrado pelos fãs mas sempre recebe críticas da imprensa. O que você acha disso?
"W" – Não sei se os críticos têm ou não razão mas o Roberto tem a sua linha, sua maneira de cantar. É como ele mesmo diz: “Em time que está ganhando não se mexe”. A prova está no Metropolitan, onde o Globo e o Jornal do Brasil arrasaram com o show e a casa, enorme, ficou lotada todas as noites.

* Como você define Roberto Carlos?
"W" – Como artista não tem nenhum igual. É um excelente cantor, intérprete, compositor. Como pessoa, só lamento que o esquema atual tirou um pouco do nosso contado. Às vezes fico pensando: Olha só, ele é meu amigo há quase 30 anos... Mas o Roberto está em outra, tem os seus negócios, já não pode andar nas ruas como antes. Já não temos mais uma convivência, um acesso a ele como tínhamos antigamente. Isso faz parte do esquema.

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